Na Coreia do Sul, os jovens médicos estão em greve porque não querem mais médicos

Jovens médicos saíram à rua e a entregaram cartas de demissão, depois de o Governo anunciar mais vagas dos cursos de Medicina. Num sistema privatizado, temem que a oferta aumente e os salários baixem.

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Na Coreia do Sul, os jovens médicos estão em greve porque não querem mais médicos Reuters/YONHAP
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Mais de 1600 jovens médicos saíram às ruas da Coreia do Sul para protestar, esta terça-feira, depois de centenas já o terem feito na passada quinta-feira. O motivo: o Governo quer aumentar o número de vagas nas faculdades de Medicina.

Num país onde o rácio é de 2,5 médicos para mil pacientes, de acordo com dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 2022, o Governo quer inverter o cenário, colocando mais profissionais no sector. A média dos países da OCDE é 3,7 para cada mil. De acordo com o relatório da OCDE Health at Glance, Portugal conta com 5,6 médicos para cada mil pacientes.

O sistema de saúde da Coreia do Sul assenta essencialmente em privados (representam 90% dos hospitais) e a maioria dos tratamentos estão dependentes do pagamento de seguros de saúde. E ainda que os médicos deste país estejam entre os mais bem pagos do mundo — ganham cerca de 200 mil dólares anualmente — temem que o aumento de vagas signifique uma diminuição dos salários, já que a competitividade deverá aumentar.

Actualmente, entram cerca de três mil estudantes em universidades de Medicina todos os anos. O Governo quer aumentar, já em 2025, este número em duas mil vagas; até chegar às dez mil em 2035. O Presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, afirmou que reforçar as vagas, que não são revistas desde 2006, é uma medida chave para garantir o acesso a cuidados de saúde em zonas remotas, onde actualmente é escasso, e para desenvolver tecnologia de ponta. “É uma tarefa que não pode mais ser adiada”, defendeu, citado pela Reuters.

Também as especialidades como pediatria e obstetrícia, por serem menos lucrativas em comparação a dermatologia e cirurgia estética, têm falta de profissionais. Por isso mesmo, cerca de 76% dos sul-coreanos apoiam o plano de mais estudantes de Medicina, segundo um inquérito da Gallup Korea.

De acordo com o ministério da Saúde, citado pela BBC, cerca de 6500 dos 13 mil médicos internos e residentes nos cinco grandes hospitais do país entregaram cartas de demissão esta segunda-feira e, destes, 1600 não foram trabalhar. A greve aconteceu mesmo depois da ordem do Governo para os médicos ficarem a trabalhar, tendo o primeiro-ministro Han Duck-soo referido que, se não o fizessem, estariam a “fazer das vidas e saúde das pessoas reféns”.

Han Duck-soo ordenou medidas de emergência como teleconsultas, operações em hospitais públicos e abertura de hospitais militares. Já o vice-ministro da Saúde, Park Min-soo, disse que o Governo estava “profundamente desapontado com esta situação em que os jovens médicos se estão a recusar a trabalhar”. Avisou ainda que o Governo ia recorrer a medidas para acabar com a greve, algo que já aconteceu anteriormente no país.

O Presidente alertou que, caso o Governo não faça alguma coisa agora, prevê-se um défice de 15 mil médicos em 2035 — mais preocupante ainda tendo em conta o envelhecimento rápido que o país está a viver e que deverá sobrecarregar o sistema de saúde.

Ainda assim, grupos como a Associação Médica Coreana defendem que aumentar o número de médicos iria provocar tensão no orçamento e que a existência de mais médicos não significa, necessariamente, que iria colmatar as falhas actualmente existentes — ainda que o Governo tenha definido objectivos para as áreas com mais lacunas.

Em 2020, durante a pandemia de covid-19, os médicos saíram à rua pelo mesmo motivo. Na altura, 80% dos jovens médicos participaram na greve, acabando por levar a melhor.

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