Cães e coelhos usados na rua fazem soar botão de emergência para animais em risco
Animais estão amarrados e não têm espaço para se movimentar nem ração adequada, descreve o provedor, que diferencia estas situações dos animais de companhia das pessoas em situação de sem abrigo.
A Provedoria dos Animais de Lisboa acompanha pessoas em situação de sem abrigo que têm animais e garante que consegue facilmente distinguir estas situações de carência das denúncias de pessoas que usam cães ou gatos para a mendicidade.
“No caso das pessoas sem abrigo, os animais estão sempre muito bem cuidados, são a única companhia e, para muitos, a razão de vida. Já as pessoas que instrumentalizam os animais para pedir esmola têm casa e não são obrigadas a estar na rua com eles”, destaca em entrevista ao P3 o provedor dos Animais de Lisboa, Pedro Emanuel Paiva.
Desde o início de Janeiro, quando foi criado o botão de emergência que acompanha animais em risco, a provedoria recebeu 24 alertas, acabando por se dirigir aos locais com as autoridades e veterinários municipais. As denúncias são sobre o uso de crias e cadelas grávidas que, acrescenta, “funcionam como motor de empatia” para quem passa. A estratégia não é nova.
Nas situações que Pedro Paiva descreve como “lamentáveis”, os animais, na grande maioria cães e coelhos, estão amarrados e não têm muito espaço para se movimentar nem ração adequada. Mesmo assim, muitos têm microchip e vacinação obrigatória.
“É por isto que fazemos um trabalho de sensibilização dos detentores e, se mostrarem vulnerabilidade, asseguramos os mesmos apoios que damos às pessoas sem abrigo. Recebem ração, têm acesso às respostas sociais que existem na câmara, e os animais também, através de protocolos com associações zoófilas e serviços municipais que disponibilizam cuidados veterinários”, aponta.
Nesta primeira fase, os animais continuam com os donos, mas se continuarem a utilizá-los como meio para receber dinheiro e os mantiverem presos, situações que o provedor classifica como maus tratos, poderão ser retirados.
Veterinários ambulantes gratuitos
Em declarações ao P3, Laurentina Pedroso, provedora dos Animais, diz também ter recebido denúncias por parte de duas associações de protecção animal sobre o uso de ninhadas "para um fim lucrativo de solidariedade fácil”, mas destaca que nunca foram reportados casos de pessoas sem abrigo com animais.
“Nestes casos, é fundamental perceber se foram desparasitados e se têm vacinas. Se isso não existe e se não houve demonstração clara da pessoa de procurar ajuda junto das autoridades ou das associações, tudo leva a crer que é um acto propositado para conseguirem apoios monetários. Se são a companhia destas pessoas, não são para reprodução e devem estar esterilizados”, reforça.
Nestes casos, os serviços de acção social sinalizam as pessoas que vivem na rua com os seus animais e pedem ajuda com ração e cuidados veterinários. Em Lisboa, garante Pedro Paiva, foram criados espaços específicos para os acolher e está prevista a criação de uma rede de hospitais veterinários públicos gratuitos.
Todas estas medidas vão ao encontro de um estudo publicado nesta segunda-feira pela Cabi (organização internacional sem fins lucrativos que procura soluções para problemas na área da agricultura e ambiente), a propósito da realidade das pessoas sem abrigo e dos seus animais nos Estados Unidos, em áreas onde não existe nenhum destes serviços.
A investigação, que se baseou nos resultados de 19 outros estudos sobre o mesmo tema, começa por propor a criação de um veterinário ambulante e gratuito direccionado para animais que vivem em situações de risco. Laurentina Pedroso propôs a mesma coisa aos anteriores governos, mas sem sucesso. “Trata-se de uma rede de emergência nacional para actuar em caso de incêndios, cheias e outras catástrofes que teria clínicas veterinárias ambulantes disponíveis para apoiarem as comunidades”, recorda. A proposta incluía ainda cuidados veterinários gratuitos durante todo o ano a animais abandonados, que vivam em associações, de famílias carenciadas e de pessoas sem abrigo.
No estudo, os investigadores sugerem a criação de uma clínica que ofereça cuidados de saúde a pessoas sem abrigo e aos seus animais, como existe no Canadá. A proposta surge depois de 86% de pessoas que vivem na rua com animais admitirem pôr a saúde dos cães ou gatos à frente da deles. A par disto, a preocupação que a percentagem de pessoas em situação de sem abrigo demonstrava para com os animais era igual ou superior às pessoas que tinham uma casa, os animais estavam bem alimentados, apesar das dificuldades económicas, e brincavam mais tempo com os donos — recebiam entre uma e quatro horas de atenção, comparados aos 28 minutos dos inquiridos que tinham uma casa.
A última proposta é a atribuição de vouchers de esterilização. Em Portugal, existe o cheque veterinário que a Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) criou em 2016 para todas as autarquias, que se devem candidatar junto do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Em comunicado enviado ao P3, o bastonário da OMV, Pedro Fabrica, destaca que estão abrangidos no programa 37 municípios e 358 centros de atendimento médico-veterinário que podem vacinar, esterilizar e realizar cirurgias. Estes apoios são dirigidos a animais de tutores com dificuldades económicas.
Mas, apesar da oferta, os serviços para as pessoas sem abrigo e para os animais nem sempre funcionam ou comunicam entre si. A provedora dos Animais recorda que a maioria dos centros de apoio não aceita animais e aponta esta como uma das razões para as pessoas não quererem sair da rua. E quando ficam sem a companhia dos donos, os animais continuam sem casa.
“Há dias reportaram-me o caso de uma pessoa sem abrigo que tinha um cão e se sentiu mal rua. O INEM levou a pessoa e o animal ficou dias na rua sozinho. Depois, uns populares aperceberam-se da situação porque o cão não saiu do sítio onde o dono o deixou e ligaram para o centro de recolha animal. Por isto é que é importante as câmaras terem estas situações referenciadas”, conclui.