Humanos estão a “aniquilar” os caranguejos-ferradura, fósseis vivos do mar
Os caranguejos-ferradura têm um aspecto primitivo e estão entre os seres vivos mais antigos da Terra, com fósseis dos seus antepassados datados de há milhões de anos. E estão em perigo.
Na segunda-feira, grupos ambientalistas apresentaram uma petição ao Governo dos Estados Unidos a solicitar a protecção de espécies em perigo de extinção para o caranguejo-ferradura americano (ou límulos), um "fóssil vivo" ameaçado pela colheita comercial para isco e uso biomédico, assim como pela perda de habitat e pelas alterações climáticas.
Estas criaturas marinhas de cauda espinhosa, cujo nome se deve à forma das suas carapaças, têm vindo a rastejar para a terra desde muito antes da era dos dinossauros e, nos tempos modernos, eram uma visão familiar para os veraneantes ao longo das costas do Atlântico e do Golfo dos EUA.
No entanto, as populações de caranguejo-ferradura sofreram uma quebra nas últimas décadas, tendo o número de desovas diminuído dois terços em relação a 1990 no estuário da baía de Delaware, que já foi o seu maior reduto, de acordo com grupos de conservação. A investigação mostra também que a densidade de ovos diminuiu mais de 80% nas últimas quatro décadas.
Estas tendências estão ligadas ao stress sobre outras espécies marinhas que se alimentam das suas larvas e ovos, incluindo o maçarico-de-papo-vermelho, uma ave costeira migratória cuja própria listagem de espécies ameaçadas em 2014 citou as colheitas de caranguejo-ferradura como um factor contribuinte.
Classificados não como verdadeiros caranguejos, mas como artrópodes marinhos mais próximos das aranhas e dos escorpiões, os caranguejos-ferradura estão entre os seres vivos mais antigos da Terra, com fósseis dos seus antepassados datados de há cerca de 450 milhões de anos.
Apesar do seu aspecto primitivo, os caranguejos-ferradura são inofensivos para as pessoas, que outrora os encontravam com frequência ao longo das linhas costeiras onde os animais se reuniam na Primavera para pôr milhões de ovos.
Agora, depois de ter sobrevivido a vários eventos de extinção em massa ao longo dos tempos, incluindo o impacto de um asteróide, há 66 milhões de anos, que matou os dinossauros, o humilde caranguejo-ferradura está a enfrentar o seu próprio desaparecimento devido a uma combinação de actividades humanas.
Como proteger este fóssil vivo?
"Estamos a aniquilar uma das criaturas mais antigas e mais resistentes do mundo", disse Will Harlan, cientista sénior do Centro para a Diversidade Biológica, um dos 23 grupos que solicitaram à Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA a declaração de espécie em perigo.
Essa listagem tornaria ilegal ferir ou matar um caranguejo-ferradura sem uma autorização especial. A petição visa igualmente a designação de "habitat crítico" a proteger, especialmente durante a época de desova. Um porta-voz da NOAA Fisheries disse que a agência iria analisar a petição, mas escusou-se a fazer mais comentários.
A petição cita numerosas ameaças ao caranguejo-ferradura americano, uma das quatro espécies vivas do animal, decorrentes de actividades humanas.
As empresas farmacêuticas colhem caranguejos-ferradura em grande número — quase um milhão em 2022 — pelo seu sangue de cor azul, que contém um agente de coagulação utilizado para testar medicamentos e dispositivos médicos que detectam endotoxinas bacterianas, lê-se na petição.
Os regulamentos permitem à indústria biomédica extrair apenas uma parte do sangue de um caranguejo-ferradura e depois libertá-lo vivo na zona onde foi recolhido, embora 10-15% dos animais colhidos morram durante este processo, afirma a NOAA no seu site.
Harlan disse que a investigação não industrial mostra que cerca de 30% dos caranguejos-ferradura recolhidos para extracção de sangue morrem durante o processo. E acrescentou que as alternativas sintéticas são amplamente utilizadas na Europa, mas as empresas americanas têm demorado a adoptá-las.
A captura excessiva de caranguejos-ferradura como isco para a pesca comercial de búzios e enguias dizimou ainda mais a sua população, sem sinais de recuperação mesmo após a imposição de quotas, de acordo com a petição.
Estas criaturas enfrentam também uma crescente perda de habitat devido ao desenvolvimento da orla marítima, à dragagem, à poluição, à erosão costeira e à subida do nível do mar associada ao aquecimento global resultante do aumento das emissões de gases com efeito de estufa. Nos últimos três anos, foram observadas mortes em massa e, em 2023, a NOAA classificou a vulnerabilidade geral do caranguejo-ferradura às alterações climáticas como "muito elevada", refere a petição.