Debate BE-IL: entre melhor Estado e menos Estado, venha o eleitor e escolha

A utilidade deste debate combativo entre Mariana Mortágua e Rui Rocha residiu na exposição muito clara das diferenças entre as duas propostas políticas. Não, os políticos não são todos iguais.

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Os contrários não se atraem, repelem-se. Não há qualquer ponto de contacto entre as propostas eleitorais da Iniciativa Liberal e do Bloco de Esquerda em matéria de habitação, impostos ou saúde. Não era necessário um debate entre Rui Rocha e Mariana Mortágua para sabermos disso. Mas o debate desta quinta-feira, talvez um dos mais tensos até ao momento, foi suficientemente interessante e esclarecedor.

Foi interessante porque os dois líderes se prepararam, convictamente, para trocar argumentos e falar de política, algo absolutamente necessário para edificar a campanha eleitoral, sem nunca resvalarem para a grosseria, que essa fique para terceiros. Esclarecedor porque o eleitorado de cada um dos partidos terá ficado convencido com a prestação de cada um dos seus líderes. O mais provável é que nenhum deles tenha ganho votos no território político adversário, mas também não era suposto que tal acontecesse.

Mas a utilidade deste debate combativo, com dois políticos determinados naquilo que defendem, residiu precisamente na exposição muito clara das diferenças entre duas propostas políticas. Não, os políticos não são todos iguais. E não defendem o mesmo. Rui Rocha quer mais casas no mercado, quer o Estado a contribuir para a oferta de rendas acessíveis com o seu património devoluto, licenciamentos mais lestos e menos impostos.

Mariana Mortágua culpabiliza o mercado pelo aumento desenfreado do custo da habitação, exemplificando com o caso de Braga, onde os preços aumentaram 62%, o distrito onde Rui Rocha é cabeça de lista, e explicou os dois factores que fazem com que o mercado funcione para uns e não funcione para outros: as casas disponíveis estão a ser desviadas para outros fins, nomeadamente para o Alojamento Local, e as construtoras estão mais interessadas na construção de hotéis e de edifícios para o segmento de luxo. A IL fala em mais casas, o BE em casas mais acessíveis.

Quando se fala em redução de impostos, não há nada que possa juntar as duas propostas e as opções dos eleitores. São duas visões de sociedade antagónicas. Mas ninguém candidamente poderia estar à espera de unanimismo num debate assim. Rui Rocha amaldiçoa o estatismo e a intervenção do Estado da mesma forma com que Mariana Mortágua tem dificuldade em falar em incentivos a empresas ou em crescimento económico.

O primeiro critica o programa do BE por defender a nacionalização de empresas como a REN, a ANA ou os CTT, enquanto a segunda sublinha que a IL está empenhada numa descida de impostos para grandes empresas como a EDP, com a subtileza de sublinhar tratar-se de uma empresa propriedade do governo chinês.

Os lucros extraordinários da banca são outro pomo natural de discórdia entre ambos, com Mortágua a propor que o banco público estivesse disposto a baixar as suas margens de lucro para reduzir as prestações do crédito à habitação. Para a IL, a estratégia é igualmente conhecida: a economia tem de crescer primeiro para que se possa falar de redistribuição a seguir. Mas a nossa economia actual, como referiu a líder bloquista, baseia-se na santíssima trindade do turismo, da construção e do imobiliário, e não na inovação e na criação de valor.

E quando se fala em saúde, também não há qualquer possibilidade de consenso. O BE sempre defendeu com denodo o Serviço Nacional de Saúde, que António Arnaut e João Semedo tentaram reformular, e a IL sempre se manteve fiel ao princípio das parcerias público-privadas. Mas este é um território movediço e susceptível de várias interpretações, como se constatou pela invocação do relatório do Tribunal de Contas sobre o caso de Braga.

Rocha tem razão nisto: vivemos num país, dois sistemas, quando falamos de saúde, com 3,6 milhões de pessoas com seguros privados. Mas está por perceber o que seria o modelo de saúde que preconiza, com base no modelo alemão.

A este debate não faltaram nem ideias nem ímpeto. Mariana Mortágua comprovou a sua competência para lidar com os dossiês em causa, argumentando com vigor, Rui Rocha esteve à altura desse ímpeto e fiel ao argumentário liberal. Entre melhor Estado e menos Estado, venha o eleitor e escolha.

João Póvoa Marinheiro, pivot da CNN, conseguiu fazer o que o lendário Kapuscinski recomendava: quem relata um golo nunca é mais importante do que aquele que acaba de o marcar. O ímpeto dos debates não é incompatível com a sobriedade da sua moderação.

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