Controlo e violência psicológica: “Há uma banalização de alguns comportamentos de violência no namoro”

Margarida Pacheco, uma das autoras do Estudo sobre Violência no Namoro apresentado esta quarta-feira, nota que está a emergir entre adolescentes uma perversão da ideia de igualdade de género.

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O Estudo Nacional sobre Violência no Namoro da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, financiado pela Secretaria de Estado para a Igualdade e Migrações, incidiu sobre 6152 jovens entre os 11 e os 21 anos de escolas de todo o país. O questionário aplicado no princípio deste ano, por ser de resposta fechada, não deixa compreender o contexto de quem responde e, por isso, ir mais longe nas conclusões. A UMAR está a realizar um estudo qualitativo destinado a entender melhor as dinâmicas de violência nas relações íntimas.

Pode dizer-se que há uma normalização da violência no namoro nestas faixas etárias?
Sim, podemos dizer que há uma legitimação, porque 68,1% não consideram violência no namoro pelo menos 1 dos 15 comportamentos referidos no inquérito e 63% dos que namoram ou já namoraram reportaram ter experienciado pelo menos um dos indicadores de vitimação. Há uma banalização e uma naturalização de alguns comportamentos de violência no namoro, mais ao nível do controlo e da violência psicológica.

Na prática, dividimos os 15 comportamentos em seis dimensões de violência: controlo, violência psicológica, violência através das redes sociais, perseguição, violência sexual, violência física. E 45,5% dos/das jovens que já namoraram ou namoram reportaram ter sofrido pelo menos um dos comportamentos de controlo – o mais frequente é a proibição de estar ou falar com uma pessoa amiga ou colega (27,8%). E 39,9% reportaram ter sofrido violência psicológica – aí o mais frequente é insultar durante uma discussão (31,2%).

São valores altos. Comparando com o ano passado, não há uma variação significativa.

Persiste a diferença entre rapazes e raparigas…
Sem dúvida. Os rapazes legitimam mais todos os comportamentos de violência. Há mais raparigas vítimas em todas as formas de violência, menos na física, que em termos absolutos é igual e em termos percentuais ligeiramente mais alta entre os rapazes. Com o estudo qualitativo, vamos compreender melhor o contexto destes resultados, mas para já quero deixar presente a ideia de que nestes resultados também entram as relações homossexuais, isto é, que também há rapazes vítimas de outros rapazes.

Na apresentação do estudo, esta quarta-feira, 14 de Fevereiro, falou na emersão de uma certa perversão da ideia de igualdade de género, na crença de que ser igual é fazer igual. Pode explicar?
Isso é a minha conclusão. Não é do estudo, porque falta a parte qualitativa. Isso é o que, na minha experiência de dez anos de prevenção da violência de género em contexto escolar, vou compreendendo com os meus alunos e as minhas alunas. “Se ele faz, eu também faço, dizem-me. Se o meu namorado mexe no meu telemóvel sem autorização, eu também mexo. Estamos em pé de igualdade.” Não é isso que nós queremos, quando falamos em igualdade de género. Queremos uma igualdade emancipatória, ou seja, que se possa sentir que se tem direitos iguais, deveres iguais e direito de terminar a relação quando se quer, não é repetir o comportamento abusivo. Mas acontece muito entre os jovens, sim, infelizmente.

Muita violência passa-se online? 20,7% que dizem já ter sofrido violência através das redes sociais?
Sim. As dinâmicas das relações de namoro estão a mudar, porque, muitas vezes, a própria relação de namoro acontece muito online. Depois das aulas, os jovens não vão para casa um do outro, continuam a namorar via Internet, via redes sociais. Há por isso dinâmicas de namoro diferentes e novas formas de violências. Mandam mensagens, prints ou nudes (aqueles vídeos de cariz mais sexual). Quando a relação termina, têm mensagens, prints, vídeos e, através da Internet, num instante passam isso para o país inteiro, não é? Nos indicadores de vitimização, vemos que 18,9% reportam já ter sofrido insultos através da Internet.

Como ajudar os jovens a perceber melhor qual o verdadeiro sentido da igualdade?
Temos de formar as pessoas que trabalham nas escolas. O contexto escolar é o mais democrático. Devemos começar a prevenção primária da violência com crianças do jardim-de-infância. E a partir daí deve haver uma prevenção holística durante muitos anos, a nível de auto-estima, de respeito, de aceitação de um não. Para que compreendam, quando estiverem numa relação de intimidade, que têm de ter limites: são pessoas diferentes, com gostos diferentes, com amigos diferentes, com comportamentos diferentes. Essa prevenção deve ser feita por equipas especializadas nas escolas. Muitos e muitas jovens nunca tiveram prevenção sistemática e holística sobre estas questões. É importante haver este currículo de prevenção em todas as escolas do país, não apenas em algumas. É por isso que a UMAR luta há 20 anos.

Como é que se explica que não haja grandes diferenças em relação aos estudos dos anos anteriores?
Nós temos notado a diferença. Nestes estudos temos de pensar a nível longitudinal. Daqui a alguns anos vamos ver. Para já, não há uma diferença muito grande. Não houve nada que fizesse com que houvesse uma mudança assim tão grande, nem a nível de políticas públicas, nem a nível de prevenção. Já esperávamos que os resultados se mantivessem mais ou menos, porque de um ano para outro não ia fazer diferença. Agora, para o ano, quando fizemos um estudo longitudinal, já podemos fazer uma comparação destes anos todos e ver que alterações houve.

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