Há 59 anos, a PIDE assassinava o “General sem Medo”
A 13 de Fevereiro de 1965, morria Humberto Delgado, assassinado pela PIDE. “Obviamente demito-o” foi a frase que eternizou a campanha contra o regime, que, num homicídio encoberto, o demitiu primeiro.
Foi “espancado brutalmente no crânio”, e não alvejado. Quem o disse foi o neto, Frederico Delgado Rosa, autor do livro Humberto Delgado, a Biografia do General Sem Medo, em entrevista ao PÚBLICO há nove anos, cinco décadas depois do assassínio que ainda hoje levanta dúvidas. O escritor acrescentou ainda que Portugal vive numa “mentira, que foi deliberadamente fabricada pelo Tribunal de Santa Clara, com o acórdão de 1981 que inocentou toda a hierarquia superior da PIDE”. Na verdade, os contornos que rodeiam a morte do general são ainda alvo de discórdia e levantam discussão.
A Operação de Outono, nome de código utilizado pela brigada da Polícia de Defesa para afastar do poder o general Humberto Delgado, teve início três anos antes da sua morte. No primeiro dia de 1962, o general exilado, que entrou em Portugal disfarçado com um bigode postiço, encabeçou uma tentativa de assalto ao quartel de Beja, que fracassou. Delgado conseguiu fugir, mas foi o ponto de viragem para que a PIDE começasse a esboçar um plano para eliminar a sua influência política anti-regime.
Tudo isto foi revelado ao Expresso, numa entrevista dada em 1998 por Rosa Casaco, que chefiava a brigada da PIDE que cometeu o homicídio. O inspector contou que o objectivo não era matar Delgado, mas sim raptá-lo e “levá-lo clandestinamente [de Espanha] para Portugal, para lhe ser dada voz de prisão e responder em tribunal por ‘actos de terrorismo’. A cilada estava armada: o “General sem Medo” acreditava que Ernesto Castro Sousa – que era afinal Ernesto Ramos Lopes, subinspector da PIDE – era um aliado revolucionário, e combinou encontrar-se com ele em Badajoz, onde Delgado foi assassinado juntamente com a secretária, Arajaryr Campos, que, segundo Delgado Rosa, neto do general, terá sido estrangulada.
O “General sem Medo” ficou a nove anos de ver cair o Estado Novo. O dia em que encontraram o seu corpo, enterrado e já em decomposição, a 24 de Abril do ano da sua morte (1965), tem também uma curiosa proximidade da efeméride que este ano se assinala. Hoje, 50 anos depois da revolução que destituiu Marcello Caetano, a sua campanha eleitoral de 1958 continua um símbolo da luta contra o antigo regime.
Do “Grande Homem” Salazar ao “Obviamente, demito-o”
Nasceu em 1906, em Torres Novas e aos 20 anos participou no golpe de Estado de 28 de Maio, liderado pelo general Gomes da Costa – tendo feito com que a Escola Prática de Infantaria de Mafra aderisse à revolta. A data pôs fim à Primeira República e instaurou um clima de instabilidade que, mais tarde, levou à ascensão de Salazar – em 1928 com a pasta das Finanças e quatro anos depois como presidente do Conselho de Ministros.
Durante alguns anos, foi um entusiasta do Estado Novo: no ano em que António de Oliveira Salazar fazia aprovar a Constituição de 1933 que pautava o início do regime, Delgado escrevia Da Pulhice do “Homo Sapiens”, em que criticava os opositores à mudança que estava em curso e elogiava o “Grande Homem” que instaurava o regime ditatorial contra o qual viria a lutar. Fora ainda dirigente da Legião Portuguesa e comissário adjunto da Mocidade Portuguesa.
Quando, em 1958, correu a notícia de que se iria candidatar à Presidência da República, Humberto Delgado era director-geral da Aviação Civil, tinha estado envolvido na criação da TAP e recebera, um ano antes, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis. Estivera a trabalhar em Washington, nos Estados Unidos, onde representara Portugal na NATO e tinha sido adido militar. Foi aí que começou a acreditar na democracia e decidiu que tentaria substituir o dirigente do Estado Novo e opor-se ao regime ditatorial.
Com uma memorável campanha, em que adoptou, de certa forma, o modelo americano, que conhecia bem, para atrair toda a oposição ao regime – de comunistas a republicanos –, Delgado foi vencido por Américo Tomás após eleições fraudulentas – que, aliás, aconteciam apenas de sete em sete anos, no caso da Presidência – e lhe garantiram somente 23% dos votos e um exílio político.
Para a história ficou a sua frase “Obviamente demito-o”, em resposta à pergunta feita pelo jornalista Lindorfe Pinto Basto, da agência France-Press: “Senhor general, se for eleito Presidente da República, que fará do senhor Presidente do Conselho?” Comentário que lhe sagrou a alcunha pela qual é ainda hoje conhecido. Foi ainda o primeiro opositor do Estado Novo a levar avante uma candidatura presidencial contra o regime, já que as tentativas anteriores de oposição tinham resultado em desistências à última da hora, como foi o caso de Norton de Matos, em 1949, ou Quintão Meireles, em 1951.
Texto editado por Leonete Botelho