O exercício era este: dez perguntas aos representantes de oitos partidos com assento parlamentar. Aconteceu no auditório do PÚBLICO, em Lisboa, e teve transmissão em directo. Foram quase três horas de um debate promovido pelo PSuperior, uma iniciativa que promove a literacia mediática lançada pelo PÚBLICO e que conta com o apoio de diversos parceiros. A conversa foi moderada pela jornalista Liliana Borges.
Do lado dos partidos estiveram Miguel Costa Matos (líder da JS e número dois da lista de candidatos às legislativas por Setúbal), Alexandre Poço (líder da JSD), Rita Matias (deputada e líder da Juventude do Chega), João Cotrim de Figueiredo (deputado da Iniciativa Liberal e candidato a eurodeputado), Fabian Figueiredo (dirigente do BE e número dois às legislativas por Lisboa), Duarte Alves (deputado do PCP e candidato número cinco às legislativas por Lisboa), Isabel Mendes Lopes (número dois do Livre por Lisboa) e Rodrigo Andrade (cabeça de lista do PAN por Leiria).
Nos últimos dias fomos ouvir os jovens que participaram no debate de quinta-feira e a quem coube fazer as perguntas aos políticos. Esta é a avaliação que fazem:
Tomás Antunes, 22 anos, estudante deslocado do Alentejo em Lisboa
Integrante do Movimento Habitação de Abril, Tomás estuda no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, ainda que tenha nascido no Alentejo. Trouxe para o debate um assunto que lhe diz directamente respeito: a habitação. Depois de apresentar dados (um quarto para arrendar em Lisboa tem um valor que ronda os 450€, disse; só foram construídas 3% das 18 mil camas prometidas pelo Governo para residências universitárias, acrescentou) questionou os representantes dos grupos parlamentares: "Nã0 foi isto que o sonho de Abril prometeu. Como é que vamos acabar com o estado a que chegamos? O que é que falhámos no caminho para nos metermos nesta crise habitacional e como é que iremos mudar?”
Depois de ouvir as oito respostas, Tomás faz um balanço positivo: embora a sua pergunta fosse "bastante abrangente", acredita que foi bem respondida, principalmente pelo deputado da Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim de Figueiredo, que referiu a necessidade de construção de mais habitação estudantil: "Não é possível esperar preços baixos se há uma procura muito superior à oferta, por isso tem de haver oferta", disse Cotrim de Figueiredo que, para Tomás, deu uma boa resposta por "ser o deputado com mais experiência". Ainda que não acredite que o problema da habitação tenha uma solução concreta, porque toca em "muitas áreas", o que procurava era "perceber as diferenças entre os partidos nas suas formas de agir" e, nesse aspecto, diz, sentiu-se esclarecido.
Xavier Vieira, 29 anos, emigrante no Reino Unido
Trabalha no sector bancário no Reino Unido, mas tem o objectivo de regressar a Portugal. No entanto, disse aos representantes partidários presentes que os emigrantes têm de "receber uma mensagem do país" para poderem voltar. Qual "o pacote de medidas, sejam elas económicas, de inovação, fiscais, sociais, tecnológicas, ambientais que os partidos propõem para fazer de Portugal um destino atractivo para os jovens" e resolver o problema da "retenção de talentos"? Foi esta a pergunta de Xavier Vieira.
Apesar do "constrangimento de tempo", achou "interessante perceber que há uma opinião generalizada de que o problema existe". "É sempre interessante ter a oportunidade de discutir com os partidos políticos as suas opiniões", comenta. No entanto, as respostas vindas da direita, "que dão mais autonomia à iniciativa privada", pareceram-lhe mais convidativas. Para o representante da Aliança Democrática (AD), Alexandre Poço, é necessário "apostar forte na iniciativa privada e diminuir bloqueios" ao investimento, bem como garantir um "incentivo fiscal até [ao valor de] um salário para premiar trabalhadores". João Cotrim de Figueiredo complementou com propostas como a "redução forte no IRS e descida de outros impostos". No entanto, para Xavier, ainda há muitas medidas que "pecam por serem pouco estruturais".
Sofia Oliveira, 18 anos, activista do clima
Integra a Youth for Climate Justice e está a processar mais de 30 governos europeus por incumprimento de leis relacionadas com a poluição ambiental. Começou por expor que é "urgentemente [necessário haver] medidas que limpem o clima e a atmosfera", questionando os partidos: "o que têm a propor sobre isto?".
"É sempre desapontante ouvir representantes políticos a minimizarem a emergência climática", confessou a jovem. "Parece-me que ainda estão mais focados nos problemas do que nas soluções. O tema do clima tem uma forte componente social e económica, e alguns defendem que a economia está primeiro, mas como é que a sociedade pode prosperar num ambiente em grave crise?". Ainda assim, os partidos "mais moderados", como o PAN, trouxeram "uma perspectiva mais positiva", com propostas como "tirar a Lei de Bases do Clima do papel" ou "converter o apoio dado à pecuária e adoptar práticas de agricultura sustentável". Sofia deixou ainda um desafio, na sequência do debate realizado: "Está na altura de ouvirmos mais pessoas [jovens], que vão ter de lidar com as boas ou más decisões que os políticos tomem em nosso nome".
Sara Moura, 30 anos, médica interna de Saúde Pública
Com a apresentação de vários exemplos, como a criação, em 1979, do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ou a implementação de educação sexual nas escolas, em 1984, Sara quis perceber "qual a causa na saúde, hoje" dos partidos.
Sentiu que "houve uma resposta mais directa" por parte de Miguel Costa Matos, líder da Juventude Socialista, e de Isabel Mendes Lopes, do Livre, ao mencionarem especificamente a saúde mental como um objectivo prioritário. Também elogiou Rita Matias, do Chega, por esta se referir à necessidade de investir no acesso à saúde materna.
Apesar disso, Sara Moura considera que "cerca de metade" dos políticos focaram-se "mais nas principais bandeiras do partido ou nas questões mais imperativas do SNS", o que "não foi o objectivo da pergunta". Acha que as propostas dos partidos "têm sido mais reactivas e não tão planeadas", e gostava de compreender mais as propostas de longo prazo: "Queria perceber a causa que move as pessoas", diz, e não tanto as propostas que já existem para solucionar problemas.
Piedade Jardine, 25 anos, professora de Expressão Plástica no 1.º Ciclo
Disse que os professores estão descontentes, que o "corpo profissional está envelhecido", que os jovens não têm vontade de serem professores e questionou: "O que propõem para aumentar a produtividade desta profissão, a qualidade das condições que os professores têm e a atracção de jovens talentosos e motivados?"
Para si, as melhores respostas vieram do representante da Aliança Democrática (AD), Alexandre Poço, por ter sido "menos emocional" e mais "directa" – ao mencionar medidas como o aumento do salário de entrada e "considerar para efeito de IRS despesas de alojamento e deslocação" dos professores que trabalham longe de casa – e de Isabel Mendes Lopes, do Livre, que mencionou as Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) e a autonomia dos professores, o que "mostrou atenção por quem está a fazer a pergunta". Já o deputado do Bloco de Esquerda foi "quem respondeu mais empaticamente", mencionando, por exemplo, as escolas onde chove nas salas de aula e as condições precárias dos professores: "Foi prático e ao mesmo tempo chocante na forma como falou", diz Piedade Jardine, que achou o debate o PÚBLICO uma iniciativa "óptima" e "necessária".
Elga Fontes, 28 anos, activista de combate ao racismo
É tradutora e revisora de texto e tem um projecto, o "Quem me lera", que procura promover o gosto pela leitura e combater o racismo. Este último tema foi o que a levou ao debate da quinta-feira, no PÚBLICO, onde falou da violência contra pessoas de diferentes etnias. O crime de ódio cometido contra Gurpreet Singh, o imigrante indiano morto no ano passado em Setúbal, ou o processo de Cláudia Simões, no âmbito do qual três agentes da PSP são acusados de agressão e abuso de poder, foram exemplos usados para fundamentar a sua pergunta: "Que medidas concretas e cabimentadas propõem para um combate mais efectivo à violência racista e xenófoba em Portugal?"
"Senti que alguns deputados apresentaram mais soluções holísticas do que medidas concretas" e "desviaram um pouco o assunto", confessa Elga Fontes, que destacou a abordagem de Miguel Costa Matos e Fabian Figueiredo, do Bloco de Esquerda, como positivas: o primeiro ao referir a criação da "Lei Anti-racismo" pelo governo PS ou ao denunciar as "queixas arquivadas" sobre o tema, o segundo ao sublinhar que "a lei portuguesa continua a permitir que pessoas racializadas e imigrantes sejam revistadas de forma arbitrária". Também o PAN abordou um assunto com o qual a jovem se identificou: a alteração na educação, modificando os planos curriculares, já que "a História não foi só feita pelo homem branco".
Elga Fontes gostou do debate, onde "cada área esteve bem representada". Uma das medidas que defende para combater o racismo é "a criminalização do discurso de ódio, não só presencial mas também pela Internet", algo proposto também pela deputada do Livre. Para este assunto, o Partido Comunista deixou uma nota: "É necessário alterar a Lei da Nacionalidade".
João Raposo Nunes, 29 anos, actor e estudante de Ciência Política
Estudou Biologia, mas foi a área da cultura que representou na quinta-feira, depois de apresentar um estudo desenvolvido pela Eurobarómetro em 2017, intitulado "Os Europeus e o Património Cultural", no âmbito do qual apenas 17% dos portugueses responderam "sim" à pergunta: "Visita locais ou vai a monumentos, museus, festivais, concertos?". E 93% consideraram que o património cultural "deveria ser ensinado nas escolas, porque nos conta a nossa história e cultura". Terminou com uma pergunta: "Que tipo de propostas defendem, de forma a promover a educação para a cultura nas suas diversas formas e expressões nas escolas e para oferecer um maior acesso às diversas expressões culturais, principalmente fora dos grandes centros urbanos, com menor oferta?"
João Cotrim de Figueiredo começou por admitir que a IL "não tem medidas no programa especificamente para essa pergunta”. Apesar disso, João Nunes considerou que o liberal "tentou responder" da melhor forma possível – o político apontou que "a cultura tem de se tornar apelativa ela mesma". Já Fabian Figueiredo denunciou a precariedade nas profissões relacionadas com cultura – "é difícil encontrar sítios onde ensaiar e apresentar", apontou. Mas "não foi essa a minha pergunta", diz o actor. A resposta do Livre foi também "coerente", já que "eles defendem 1% do Orçamento de Estado para a cultura". "A pergunta é se isso é viável", acrescenta João Nunes. Ainda assim, considerou o debate "bastante esclarecedor", já que permitiu que se "debatessem temas que, no sistema de debates que estamos agora a acompanhar, não são possíveis".
Juliana Neto, 20 anos, estudante de Ciências da Comunicação
É estudante deslocada na Universidade Autónoma de Lisboa e tem um podcast, "PodDemos Descomplicar", sobre política e actualidade. A pergunta que trouxe foi sobre a comunicação social: "Se os jornais costumavam lucrar com publicidade e assinaturas, agora sobrevivem. Tendo em conta o estado actual em que se encontra o jornalismo e os desafios económicos que tem vindo a atravessar, que propostas apresentam?"
"Tentam sempre dar um bocado a volta", diz Juliana sobre os representantes partidários, ainda que tivesse gostado da resposta do Livre, que "apresentou propostas concretas", como "o cheque cultura abranger revistas e jornais" ou mencionar problemas como "a comunicação social não poder ficar na mão de fundos desconhecidos". Em relação aos outros partidos, pareceu-lhe que "não estavam muito à vontade com o tema", que "só passou a ser explorado por causa do caso da Global Media Group e do V Congresso dos Jornalistas que aconteceram este ano", caso contrário, "seria um tema que nem passava pelo programa eleitoral dos partidos".
Manuel Tovar, 29 anos, empresário de economia circular
Começou com dois exemplos: "O sistema de depósito e reembolso de embalagens está ainda muito atrasado em Portugal" e "em França há um novo programa de incentivo à troca de bens, nomeadamente, de vestuário". Enquanto fundador de uma empresa tecnológica que emprega mais de 1200 jovens, mostrou interesse em "subir os salários", e quis perguntar aos representantes políticos como o fazer: "Quais os incentivos para a economia circular que pretendem implementar no futuro?"
"Senti que a minha pergunta foi respondida", disse o jovem, que ficou, apesar disso, "preocupado com as respostas da esquerda, já que disseram que não podemos olhar para a produtividade, temos de subir o salário e baixar o número de dias de trabalho, e não consegui perceber essa fórmula". Desta forma, a direita foi "mais ao encontro" das suas preocupações, sugerindo o alinhamento de incentivos dos sistemas de gestão, no caso do PSD, ou criticando as taxas pagas ao Estado aquando da subida de salários por parte das empresas, no caso da IL. Rita Matias, do Chega, defendeu a economia circular ao sugerir medidas como o "investimento numa indústria de aproveitamento de resíduos electrónicos".
Ana Grandinho, 20 anos, vice-presidente da Federação Académica do Porto
É estudante de Ciências Farmacêuticas na Universidade do Porto e, enquanto membro da Federação Académica (FAP), considera o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) "estrutural", mas "desactualizado". Desta forma, quis perceber "se haverá vontade e predisposição política para rever este documento".
"Senti que alguns candidatos não estavam dentro do tema do ensino superior", talvez por "não ser um tema de que geralmente se fale". Em alguns casos, a pergunta "ficou mesmo por responder". Ainda assim, o PS e o Livre, por "terem, talvez, tido mais tempo para se prepararem", foram mais "ao encontro" da questão, defendendo mais participação dos estudantes nos órgãos internos das universidades, no primeiro caso, e medidas como eliminação das propinas, fundo de apoio aos estudantes ou investimento em ciência, no segundo. A pergunta serviu para "chamar a atenção" e o balanço do debate foi "positivo", já que "nos debates que vemos na televisão raramente se toca nas políticas da juventude", e portanto foi bom que os representantes partidários "respondessem directamente" às questões levantadas: "não há outro meio para o fazer", comenta.
Texto editado por Andreia Sanches