No passado dia 2 de fevereiro, numa entrevista ao PÚBLICO, Filipe Anacoreta Correia (um advogado a quem o presidente da Câmara Municipal de Lisboa achou adequado alocar o pelouro da mobilidade) anunciava que o LIOS (Linha Intermodal Ocidental Sustentável) teria fortes possibilidades de ser convertido de um metro ligeiro para uma linha de BRT (Bus Rapid Transit).
Os BRT, vulgo metrobuses, têm sido uma febre nos últimos anos em Portugal. E estranhamente, consistem sempre no mesmo fenómeno:
- Agarrar num projeto já existente para uma linha de Metro Ligeiro ou de ferrovia pesada;
- Alegar falta de verbas ou urgência de execução (geralmente a urgência está estranhamente alinhada com eleições ou captação de fundos europeus);
- Converter o projeto numa carreira de autocarros em sítio próprio mesmo que as características do território e da procura esperada não sejam remotamente adequadas a um BRT;
- Prometer uma revolução na mobilidade (que obviamente não acontecerá) e cortar uma fita à frente dos jornalistas.
E Lisboa, pelos vistos, não quis ficar para trás neste provinciano fenómeno autárquico.
Importa dizer que o LIOS, mesmo como metro ligeiro, já era um projeto bastante problemático. Apesar de se adequar vagamente à densidade média das zonas da Ajuda e do Restelo, era claramente insuficiente para satisfazer as necessidades da zona oriental de Oeiras. Miraflores, Linda-a-Velha e Carnaxide somam praticamente 50.000 habitantes, havendo também uma enorme concentração de emprego na região. Os traçados propostos eram sinuosos, o que resultaria numa velocidade média baixa. Em alguns pontos nem sequer se previa uma via exclusiva, atirando os veículos para o meio do denso trânsito automóvel (como já acontece com o elétrico 15 em Alcântara). Um projeto já de si medíocre, pouco competitivo e com impacto questionável no saturado corredor da A5.
A conversão do LIOS numa linha de autocarro apresenta-se como um absurdo técnico inqualificável. Para poupar quantias miseráveis no investimento inicial, opta-se por um transporte de muito menor capacidade, mais lento e que comprovadamente terá maiores custos de operação a longo prazo. Num corredor urbano que, segundo os parâmetros de planeamento de Madrid ou Paris, seria de estudar a construção de Metro Pesado ou ferrovia suburbana, Lisboa propõe... um autocarro.
Tudo isto é frustrante e demonstra uma visão de cidade medíocre, obsoleta, desinformada e incapaz de pensar o território no longo prazo. Em Lisboa (e na AML em geral) o transporte público continua a ser pensado como uma última alternativa para os mais pobres e não como a espinha dorsal da metrópole, impulsionadora do seu desenvolvimento social e económico.
A AML vive neste momento uma gigantesca crise de mobilidade, e precisa desesperadamente de ampliar rapidamente a sua rede metro-ferroviária se quiser tornar-se minimamente competitiva com outras metrópoles europeias. Achar que esta transformação da mobilidade se vai conseguir com este tipo de remendos medíocres é simplesmente viver numa realidade paralela.
É preciso exigir muito, mas muito mais dos nossos autarcas. É preciso exigir seriedade e uma visão holística no planeamento. Precisamos de investimentos verdadeiramente transformadores na mobilidade e não de desastradas propostas promovidas por burocratas que não fazem a mais remota ideia de como funciona uma rede de transportes públicos.
Com o ego afogado em prémios europeus de inovação e sustentabilidade, Lisboa lá se vai convencendo a si mesma que não caminha a passos largos para a liga dos últimos. A minha cidade desistiu de si mesma.