“Mãe” do teatro moçambicano lança escola independente para levar arte até ao povo

Manuela Soeiro, 79 anos e há 50 dedicada às artes cénicas, foi uma das fundadoras do primeiro grupo teatral profissional no país.

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No seu percurso de mais de 50 anos, Manuela Soeiro destaca as influências da actriz portuguesa Maria do Céu Guerra LUSA/LUÍSA NHANTUMBO
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No palco ou por detrás do pano, Manuela Soeiro soma 50 anos dedicados às artes cénicas, dos 79 que neste ano completou, mas há ainda forças para novos desafios: lançar a primeira escola independente de teatro no país.

"Este espaço vai ser um centro cultural que engloba várias actividades que estão ligadas ao teatro, artes performativas e formação", explica à Lusa a actriz, dramaturga e produtora moçambicana, numa visita guiada pelo edifício que vai acolher a iniciativa, no centro da capital, Maputo.

Mais do que uma escola, Manuela Soeiro está a montar, há mais de três anos, um espaço de cultura a partir de "elementos da natureza", cruzando teatro com arte artesanal, com uma colecção de obras pessoais colectadas durante anos, dando ao espaço uma identidade singular. "Vamos abrir aqui um museu, que já está praticamente pronto e que será inaugurado no Dia Internacional dos Museus [17 de Maio]", explica a dramaturga, frisando que a ideia é promover um espaço "verdadeiramente de cultura no centro da capital moçambicana".

Em oposição à tendência de "elitização" das artes cénicas em Moçambique, Manuela quer também levar o teatro à periferia, dentro e fora da capital, valorizando a "riqueza esquecida" na tradição diversificada que compõem as comunidades dos becos e ruelas dos subúrbios das cidades.

"Queremos lembrar às pessoas, sobretudo na periferia, o valor que elas têm ali", acrescenta a actriz, que quer ver esta iniciativa replicada por outras províncias moçambicanas.

O cento cultural Sabura é mais um contributo de uma dramaturga por muitos considerada o "último pilar" da "escola clássica" do teatro em Moçambique, tendo sido uma das fundadoras do primeiro grupo teatral profissional no país, Mutumbela Gogo, criado em 1986.

No seu percurso de mais de 50 anos, Manuela destaca as influências da actriz portuguesa Maria do Céu Guerra, com quem trabalhou pela primeira vez em 1977 e em quem buscou inspiração para a criação de Mutumbela Gogo.

De professora de Educação Física para uma das mais respeitadas dramaturgas moçambicanas, a actriz lembra que não foram só as influências da actriz portuguesa que a "empurraram" para as artes cénicas profissionais: o contexto histórico em que cresceu, após a independência de Moçambique (1975), foi fundamental.

"Na altura, quando a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) chegou, nós fomos com toda a energia. Entregámo-nos por inteiro, com tudo. Acreditávamos naquela convicção, na luta e na ideia de uma independência verdadeira. [os ideais] Eduardo Mondlane e Samora Machel eram qualquer coisa de surpreendente, os seus ideais eram, sobretudo, pela defesa do povo", refere Manuela Soeiro, lembrando que este foi um dos motivos que a fizeram abraçar uma arte cujo centro são as pessoas. "O povo estava em primeiro lugar e nós entrámos de uma forma total. Foi isso que fez com que eu preservasse estes espíritos", assinala.

Nestas décadas de carreira, pelas mãos de Manuela passaram dezenas de actores e actrizes, seja nos grupos amadores durante a década de 1970, como posteriormente no icónico Teatro Avenida, onde o seu grupo começou a fazer apresentações teatrais.

O escritor moçambicano Mia Couto descreve-a como a "grande mãe do teatro moçambicano", uma figura que fez esta arte possível quando o país estava ainda a dar os seus primeiros passos. "Ela estava num lugar que não era só de quem produzia. Ela impulsionou tudo. E convocou todas as forças que podiam estar ali. Foi preciso uma pessoa que fosse uma grande batalhadora, porque àquela altura não havia um prego, não havia uma tábua, não havia nada. Montou aquela padaria para alimentar o teatro. É uma coisa quase simbólica", disse Mia Couto sobre o percurso da dramaturga.

Manuela Soeiro nasceu em 24 de Janeiro de 1945, na ilha do Ibo, na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique.

Hoje, com a escola de teatro, a intenção de Manuela é contribuir, uma vez mais, para o surgimento de novas caras nas artes cénicas em Moçambique, num período por ela descrito como "rico" e cheio de alternativas para as artes performativas, em alusão às novas tecnologias. "O que eu quero transmitir é aquilo que fez de mim aquilo que eu sou", conclui a dramaturga.