Dos confetti aos fatos: há alternativas para um Carnaval mais sustentável
No Carnaval, usar confetti e materiais de plástico pode não ser a melhor solução (sobretudo para o ambiente). “Se queremos usar confetti, temos de procurar as soluções menos impactantes.”
Quando se pensa no Carnaval, os confetti, purpurinas e acessórios festivos vêm logo à memória. Mas nem tudo é uma festa – a maior parte destes materiais são prejudiciais para o ambiente e contribuem para aumentar a poluição.
Muitos dos confetti que se usam hoje, com cores vivas e brilhantes, vieram substituir os antigos confetti de papel, mas será que trouxeram benefícios? A vice-presidente da associação ambientalista Zero, Susana Ferreira, explica ao PÚBLICO que a degradação destes materiais plásticos é muito mais difícil comparativamente ao papel “e o risco de conter substâncias que são menos propícias para estarem no ambiente também é muito mais elevado do que se estivermos a falar do papel”.
Neste sentido, a vice-presidente da Zero aconselha a que, se houver mesmo necessidade de usar este tipo de produtos, se escolha os de papel, “para que depois, mesmo que fiquem abandonados, se possam degradar ou biodegradar mais facilmente”. A dirigente da Zero recomenda também que se procure fazer a recolha destes produtos (além dos confetti, serpentinas e fitas de Carnaval) para que sejam reciclados, se possível. “Ou, se não forem, pelo menos, vão para o lixo comum e para o aterro e não ficarão a poluir o ambiente.”
Raul Silva, vice-presidente da direcção nacional da Quercus, recorda, igualmente, que evitar a utilização desde tipo de produtos e de materiais “é perfeitamente possível” e sugere alternativas que já são praticadas em algumas escolas do país, durante a época festiva do Carnaval e não só.
O vice-presidente da direcção nacional da associação Quercus sublinha que algumas escolas, no âmbito das festas de Carnaval, “já substituíram os confetti industriais por papel reciclado, por folhas, e fazem algumas actividades com os alunos em que furam as folhas – quer de papel para reciclar, quer mesmo de folhas, de plantas e de árvores para criar os tais confetti, que acabam por ser sustentáveis, comparativamente aos que continuam a ser comercializados”, exemplifica. “De facto, não faz sentido nenhum que se continue a poluir as principais ruas e cidades, principalmente aquelas que fazem grandes cortejos e corsos carnavalescos”, reforça.
Para Raul Silva, a sensibilização das entidades que comercializam este tipo de materiais também é um passo importante, tendo em conta que os materiais “não são facilmente limpos [das ruas] e acabam em sarjetas, contaminando todo o sistema de águas”. “Muitos deles vão acabar nas ribeiras, nos rios e, eventualmente, no mar, sem necessidade nenhuma”, alerta.
Em concordância, Susana Ferreira explica que “uma vez libertados [os confettis de plástico], é muito difícil voltar a recuperá-los e conseguir limpá-los, de alguma forma, do ambiente. Portanto, vão acabar espalhados e distribuídos. Normalmente, são produtos muito leves e que, por isso, são muito facilmente transportados pelo vento e também pela água, mas principalmente pelo vento”.
Além do perigo da não degradação destes materiais, acresce o risco de se tornaram cada vez mais pequenos até atingirem o formato de microplástico e, por conseguinte, integrarem-se no ambiente e na cadeia alimentar, explica a dirigente da Zero, em conversa com o PÚBLICO. “Muitos destes produtos vão acabar não por se degradar, sendo integrados no ambiente e transformando-se cada vez em pedaços mais pequeninos de plástico. Ficam com cada vez menor dimensão, chegando até ao formato microplástico e isso depois facilita muito, por exemplo, a sua entrada na cadeia alimentar, seja através do solo, seja através das águas”, exemplifica Susana Ferreira.
A vice-presidente da Zero recorda a intenção da União Europeia (UE) de regulamentar esta problemática, tendo em consideração que “representa um risco para a saúde” e destaca que, se queremos um ambiente diferente, “temos, de facto, de fazer diferente, usar coisas diferentes. Se queremos usar confetti, temos de procurar as soluções que são menos impactantes”.
Fatos e acessórios também podem ser sustentáveis
Costuma dizer-se que “no Carnaval, ninguém leva a mal”, mas os dois vice-presidentes das associações concordam que os típicos fatos usados actualmente, feitos de plástico e materiais pouco resistentes, deveriam ser trocados por alternativas mais amigas do ambiente.
No que diz respeito às vestimentas, máscaras e acessórios de Carnaval, o membro da direcção nacional da Quercus afirma que “o ideal era aproveitar material têxtil e material que possa ser reciclado e reutilizado nestas iniciativas. Quanto às máscaras, o ideal é que sejam reutilizadas várias vezes”.
Raul Silva aponta responsabilidade também às entidades promotoras dos corsos carnavalescos e diz que "o ideal era que os promotores destes Carnavais, sejam eles entidades públicas ou associações, também dessem o exemplo. Estes promotores podiam ter práticas mais sustentáveis e dar o exemplo ao resto das entidades”, apela.
Sobre as alternativas a estas opções o membro da Quercus diz que o melhor seria “optar por soluções como máscaras tradicionais, máscaras que usem materiais recicláveis, como papel reciclado que permita formar um molde, com uma operação relativamente simples. E evitar a esferovite, o uso de PVC e outro tipo de substâncias que são usados durante um dia ou dois, e que depois vão para o sistema de deposição de resíduos e que contaminam”.
Do mesmo modo, a vice-presidente da Zero refere que “há também muitas hipóteses de criar disfarces de Carnaval mesmo com roupas mais antigas, dos pais ou dos amigos e, assim, também evitar estar a comprar coisas novas especificamente para o Carnaval”. E isto também é válido para as máscaras que, muitas vezes, são “de plástico e que são usadas, mas que se forem reutilizadas não é tão negativo quanto se usarmos uma ou duas vezes e depois deitarmos fora ou deixarmos amontoado em casa”, esclarece.
Ademais, a vice-presidente da associação ambientalista incentiva à compra destes materiais em segunda mão, uma vez que sai mais barato e é, igualmente, mais sustentável. “Quando não há lojas organizadas, a troca entre amigos, entre colegas, pode ser sempre uma boa iniciativa. Para as crianças, claramente, as lojas de roupa em segunda mão muitas vezes oferecem boas soluções para que as pessoas possam reutilizar fatos, em vez de terem de fazer um investimento de estarem sempre a comprar fatos novos”, afirma.
Também Raul Silva diz que seria positivo “voltar um bocadinho às origens, reutilizar roupa usada” e, em trajes mais específicos, tentar incorporar materiais que possam ser reciclados ou reutilizados.
O glitter e as tintas
A 25 de Setembro do ano passado, a Comissão Europeia adoptou medidas com o objectivo de restringir a comercialização de produtos a que tenham sito adicionados intencionalmente microplásticos, como é o caso das purpurinas soltas, cosméticos ou dispositivos médicos. As purpurinas são um dos acessórios mais utilizados quando a festa é o Carnaval e, na maior parte das vezes, fazem parte das maquilhagens concebidas para os desfiles carnavalescos. Também as tintas, que não são biodegradáveis, dão cor e vida aos participantes dos corsos.
Susana Ferreira, vice-presidente da Zero, esclarece que “a proibição tem que ver com o facto de o glitter estar muito associado à presença de microplásticos”. Além disso, defende que “coisas que não deveriam andar a circular”, no entendimento da Zero, “têm de ser proibidas; não é deixar ao critério das pessoas, porque a maioria das pessoas nem sequer está ciente do risco da maior parte destes produtos, portanto, não têm toda a informação para tomarem uma decisão informada”, remata.
No que toca às tintas, Raul Silva diz que “é também importante assumir o impacto que têm” e diz “que não deveriam ser comercializadas”. Susana Ferreira explica que a associação aconselha “sempre que as pessoas procurem soluções mais ecológicas, não só por uma questão de impacto ambiental, mas pela própria saúde das pessoas que as utilizam”.
O vice-presidente da direcção nacional da Quercus reitera que “o cidadão faz a diferença, mas os promotores é que devem tomar a iniciativa principal”. E conclui: “Este ano já vamos tarde, mas espero que no próximo ano já se comece a ter mais atenção e a optar por estas práticas.”
Texto editado por Claudia Carvalho Silva