Substituir plásticos por outros materiais pode gerar ainda mais emissões, diz estudo
O plástico é um material imperfeito, mas as alternativas podem ser piores no que toca a emissões de gases com efeito de estufa, sugere um estudo que não avalia impacto na saúde humana ou ambiental.
Os plásticos estão longe de ser um material perfeito, mas as alternativas podem ser ainda piores no que toca a emissões de gases com efeito de estufa, sugere um estudo publicado na revista Environmental Science & Technology. O trabalho foca-se unicamente na libertação de carbono para a atmosfera, não avaliando consequências da poluição plástica para a saúde humana e ambiental.
“Este estudo aborda apenas as questões climáticas. Se abordarmos a questão da poluição marinha, por exemplo, as nossas conclusões podem alterar-se em 180 graus. Temos de o interpretar no contexto em que foi desenvolvido, não pode ser lido como uma apologia do plástico”, alerta ao PÚBLICO o co-autor Miguel Brandão, professor no Instituto Real de Tecnologia (KTH, na sigla sueca), em Estocolmo.
Os cientistas avaliaram 16 aplicações dos plásticos em cinco áreas que consomem intensamente este material: a indústria têxtil (T-shirts e alcatifas), automóvel (componentes para baterias e depósitos), da construção civil (canalizações domésticas ou públicas), das embalagens e, por fim, do mobiliário. Juntos, estes sectores correspondem a 90% do volume global de plástico.
Os resultados mostram que em 15 das 16 aplicações analisadas o plástico incorre em menos emissões de gases com efeito de estufa do que os materiais substitutos (metal, vidro e papel plastificado). Nestes casos estudados, “os produtos plásticos libertam 10% a 90% menos emissões ao longo do ciclo de vida do produto”, lê-se no estudo.
“Temos de ter cuidado na hora em que criamos regras gerais para o consumo. Os consumidores querem fazer a escolha certa, alinhadas com a própria filosofia ou ética, mas, muitas vezes, não é tão óbvio como parece. O que é intuitivo nem sempre passa o teste do escrutínio quando as contas são feitas”, explica o professor do instituto sueco.
O caso dos sacos de compras
No campo das embalagens, por exemplo, os cientistas analisaram produtos que vão desde os sacos de compras aos recipientes para comida de animais, passando pelos copos de bebidas e pacotes de leite. Estas duas últimas aplicações tornam a comparação mais complexa, uma vez que são invólucros compostos por materiais mistos, ou seja, cartão plastificado. Nesses casos específicos, a diferença entre os dois materiais é menos significativa, sendo a pegada carbónica similar.
“Se eu fizer compras num saco de papel, vou usá-lo uma ou duas vezes e depois deitá-lo fora. Considerando a unidade funcional – o saco, que é a nossa referência –, sacos de papel, tecido ou juta são muito inferiores ambientalmente do que os de plástico, pelo menos no que toca às emissões. Isso também depende do uso que vou dar depois ao meu saco de plástico”, diz o investigador.
O saco de papel produz três vezes mais emissões do que a versão plástica, segundo o estudo da Environmental Science & Technology. Este resultado pode ser explicado pelo maior consumo de matéria-prima e pelo carbono libertado durante o transporte da pasta de celulose.
“A questão central é a substituição: uma coisa pode ser má, mas a alternativa pode ser ainda pior. Nós usamos os combustíveis fósseis e os plásticos para um fim específico. Se arranjarmos alternativas melhores que consigam ter a mesma funcionalidade, tudo bem, podemos abdicar dos plásticos. Mas enquanto não tivermos alternativas melhores, ou mesmo quando os substitutos são ainda piores – como no caso do saco plástico –, substituir pode não ser a solução”, afirma Miguel Brandão.
O cientista português enfatiza a importância de olharmos para toda a cadeia de produção. Um saco de pano, refere, parece intuitivamente mais amigo do ambiente do que a versão plástica. Contudo, para termos o tecido numa fábrica, é necessário cultivar o algodão, aplicar fertilizantes e herbicidas, promover a colheita e transportar a matéria-prima. Todas essas etapas envolvem, de uma forma ou de outra, a emissão de carbono para a atmosfera.
“Por muito que se reutilize o saco de algodão, não é uma alternativa melhor do que o plástico em termos de emissões”, diz Miguel Brandão, numa conversa com o PÚBLICO por videoconferência.
Segundo um outro estudo, realizado em 2021 pela revista Deco Proteste, um saco de algodão biológico tem de ser usado 149 vezes para compensar o impacto da sua produção. Se for algodão “normal”, deve ser usado 101 vezes (o algodão biológico precisa de mais espaço para ser cultivado, cerca de 30% de solo adicional).
Além dos sacos, o estudo fornece vários outros exemplos de substituições de plásticos por materiais considerados sustentáveis. Cerca de 85% das alcatifas comercializadas são feitas de materiais sintéticos, sendo a lã a única alternativa não plástica, refere o estudo. Contudo, os tapetes sintéticos originaram cinco vezes menos gases com efeito de estufa do que os produtos feitos com a lã.
A poluição plástica invisível
Produzidos a partir de combustíveis fósseis, os plásticos suscitam preocupações ambientais não só pelo descarte irresponsável, que agrava a poluição de solos, rios e mares, mas também pelo possível impacto na saúde humana. Os plásticos descartados fragmentam-se, transformando-se em micro ou nanoplásticos, partículas minúsculas que podem acumular-se nos ecossistemas e nos próprios seres vivos.
Os nanoplásticos são muito, mesmo muito menores do que os microplásticos (que já são, por sua vez, mais pequenos do que um grão de arroz). São tão minúsculos que podem atravessar os tecidos dos órgãos e até alcançar a corrente sanguínea. Cientistas já identificaram pedacinhos de plástico até no leite materno, o que sugere a hipótese de estarmos a ingerir estes contaminantes desde o nascimento.
Os impactos dos nanoplásticos na saúde humana não estão ainda estabelecidos, mas diferentes associações estão a ser estudadas pelos cientistas. Um estudo recente mostrou, por exemplo, que os nanoplásticos interferem com receptores nas membranas de células intestinais e activam processos inflamatórios.
“Se quisermos falar de microplásticos e da forma como afectam a vida marinha, a nossa ferramenta estará um pouco mais atrasada na representação desses impactos nos modelos”, conclui Miguel Brandão, que elaborou o estudo com Jonathan M. Cullen, investigador na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
O estudo baseia-se nos dados de um trabalho prévio, intitulado Climate Impact of Plastics (2022), desenvolvido em conjunto com a empresa McKinsey. As 16 categorias seleccionadas em cinco sectores industriais são as mesmas avaliadas no relatório original.