Espanha cria serviço para combater a violência machista no sector cultural

Novo ministro quer fazer da Cultura “um espaço seguro para as mulheres”. Detalhes sobre o novo departamento ainda não são conhecidos, mas Ernest Urtasun quer que a sua acção seja transversal.

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O ministro da Cultura espanhol Ernest Urtasun David Zorrakino/Europa Press News/Getty Images
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O novo ministro da Cultura espanhol entrou em funções há pouco tempo, mas já anunciou várias medidas para lidar com problemas estruturais no sector. Depois de ter garantido recentemente que está em marcha um “processo de revisão” das colecções dos 17 museus públicos para que passem a ter um discurso mais inclusivo e diverso, capaz de dar visibilidade a questões de género e de reflectir sobre o passado colonial do país, Ernest Urtasun prepara-se para criar um serviço destinado a combater o machismo e a violência que lhe está associada no sector cultural.

A actual vaga de denúncias #MeToo em França, que de novo expõem um quadro de violência sexual no mundo do cinema, acentua a pertinência desta iniciativa e, até, o seu carácter de urgência.

De acordo com o El País, não foi, no entanto, o caso francês a ditar a criação da nova unidade, mas uma denúncia doméstica, envolvendo três mulheres que, num artigo publicado no mesmo diário espanhol há duas semanas, acusam o cineasta Carlos Vermut de abuso sexual.

Caberá ao futuro gabinete “o acompanhamento das vítimas de violência baseada no género e a realização de estudos específicos para a elaboração de protocolos que respondam às necessidades específicas de cada sector e de cada organização ligados à cultura”, explica o ministério espanhol. O objectivo é “garantir que a cultura é um espaço seguro para todas as mulheres”. E em todas as áreas, não apenas no audiovisual.

O novo departamento acompanhará as alegadas vítimas, mesmo que estas não tenham feito ainda qualquer denúncia às autoridades policiais, garantiu ao El País fonte próxima do ministro.

É com este novo serviço que Urtasun prevê cumprir a promessa que fez a 27 de Janeiro, na cerimónia de entrega dos prémios Feroz: “Este gabinete vai apoiar qualquer denúncia de abuso sexual ou de qualquer outro tipo de violência machista (…). Vamos trabalhar por uma cultura segura para as mulheres deste país.”

Para já, os detalhes acerca da nova estrutura são escassos. Não se sabe ainda com que orçamento vai contar, quem a vai dirigir, nem como se enquadrará no organograma governativo, mas a decisão política está tomada. Certo é também o envolvimento de outras organizações que partilham objectivos com o departamento agora anunciado, como o Observatório para a Igualdade de Género do Ministério da Cultura e associações de promoção dos direitos da mulher nas artes visuais ou na indústria da música.

Mais para a frente estabelecer-se-á também uma parceria com o Ministério para a Igualdade – Urtasun quer ver delineado, e já o disse, a 27 de Janeiro, “um plano de igualdade específico para a cultura”.

Neste sábado, o ministro, que tal como o chefe de Governo vai comparecer na cerimónia de entrega dos prémios Goya, em Valladolid, deverá avançar com mais informações sobre o novo departamento.

O caso Vermut

A investigação do diário El País expôs os alegados abusos cometidos pelo vencedor da Concha de Ouro no Festival de San Sebastián em 2014, e que terão tido lugar entre Maio desse ano e Fevereiro de 2022. A denúncia contra o realizador e argumentista independente, hoje com 43 anos, é feita por três mulheres que não são nomeadas; à data do reportado, uma delas era estudante de cinema.

Todas acusam Vermut de violência sexual não consentida. Uma das mulheres diz mesmo ter sido violada pelo realizador que a maioria conhece por Rapariga Mágica (2014), o filme que lhe valeu o prémio no festival basco. O cineasta tê-la-á imobilizado, estrangulando-a e obrigando-a a ter relações sexuais.

Num dos outros dois casos denunciados, Vermut terá beijado à força uma jovem aspirante a realizadora, tocando-lhe nos seios e arrancando-lhe o soutien sem que esta o autorizasse a fazê-lo. A última das situações expostas pelo El País é relatada por uma mulher com quem o também argumentista mantinha uma relação – esta acusa-o de a ter tratado de forma “degradante” durante meses, usando violência física e verbal.

Confrontado com os testemunhos reunidos por este diário, Vermut rejeitou toda e qualquer acusação – dizendo não ter “consciência de ter exercido violência sexual contra mulher alguma” –, embora tenha admitido o estrangulamento de algumas das suas parceiras sexuais: “Sempre pratiquei sexo violento de forma consensual, porque acredito que o consentimento é muito importante.”

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