O Ministério Público (MP) considera que a declaração de impacte ambiental (DIA) da mina de lítio do Barroso “padece do vício de violação da lei” e “deve ser anulada”, segundo um documento divulgado nesta quinta-feira pela Câmara de Boticas.
O MP foi notificado a pronunciar-se na sequência de uma acção judicial interposta pela Junta de Freguesia de Covas do Barroso, em Boticas, para anular a DIA da mina do Barroso, enviando um requerimento para o Tribunal Administrativo de Fiscal (TAF) de Mirandela onde corre o processo.
No documento, consultado pela agência Lusa, o MP conclui “que a DIA padece de vício de violação de lei e deve ser anulada”.
O presidente da Câmara de Boticas, Fernando Queiroga, reagiu com satisfação e afirmou que as conclusões do MP “vêm dar ainda mais força à luta contra a exploração de lítio” e “demonstram que os argumentos da população contra a mina são totalmente legítimos”.
“Ponto por ponto vem desmontar o parecer que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) dá”, salientou o autarca, referindo que o MP apontou as “ilicitudes do projecto da mina e formulou uma posição clara no processo, sustentada por milhares de documentos.
A APA viabilizou ambientalmente a exploração de lítio na mina do Barroso, distrito de Vila Real, emitindo uma DIA favorável, em Maio, mas que integra um conjunto alargado de condicionantes.
A mina, que a empresa Savannah quer explorar, tem uma duração estimada de 17 anos e a área de concessão prevista é de 593 hectares.
Um aspecto destacado pelo MP é o risco que a ampliação da actividade mineira representa para o Sistema Importante do Património Agrícola Mundial (SIPAM) do Barroso, descaracterizando-o e, consequentemente, podendo levar à sua desclassificação, o que viola os compromissos internacionais que o Estado português assumiu com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de proteger, apoiar e aumentar a qualidade de vida na região.
“Prevendo e aceitando a hipótese de desintegração do SIPAM, o acto administrativo corporizado na DIA erra manifestamente, nesta dimensão de violação do compromisso internacional do Estado, na apreciação dos factos e do direito, verificando-se vício de violação de lei, que implica anulabilidade”, pode ler-se no parecer do MP.
Refere ainda que a DIA viola legislação em vigor que não permite a revelação e aproveitamento de recursos minerais em território SIPAM, bem como a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia e o Plano Estratégico da PAC 2023-2027 (PEPAC) para Portugal, colidindo com os objectivos dos financiamentos comunitários do programa SIPAM e investimentos de apoios financeiros do baldio do Barroso.
O projecto da mina do Barroso foi apresentado como uma ampliação, mas o MP entende que se trata de “um conjunto de novos subprojectos, que não foram analisados pela DIA, e cujo efeito, intensidade e complexidade vão muito para além da área a ampliar”.
O Ministério Público considera que a avaliação de impacte ambiental (AIA) para a ampliação apresenta uma situação de referência para a actividade mineira existente a partir de um contrato prévio (2016) que não foi sujeito a avaliação ambiental, pelo que a DIA recente deveria confrontar a actividade viabilizada com a única DIA precedente (2005) com a que agora se pretende realizar.
É ainda referido que a DIA não faz uma correcta avaliação da gestão de resíduos de extracção mineira, não define o risco de vulnerabilidade a acidentes e catástrofes das seis barragens previstas, nem a contaminação do meio hídrico (rio Covas e águas subterrâneas).
E, segundo o MP, não pondera o real impacto deste projecto cumulativamente com o da mina do Romano, prevista para Montalegre, devido à proximidade e dimensão dos dois projectos.
Relativamente ao lobo-ibérico, o MP aponta que as medidas de minimização previstas “carecem de demonstração de efectividade”.
Outro aspecto referido no documento é o de o promotor admitir que a China possa ser o destino do minério, pelo que não resolveria a problemática da dependência externa do fornecimento de lítio da União Europeia.
“Há muitas incongruências e muitas ilegalidades neste processo”, concluiu Fernando Queiroga, defendendo que o projecto deve ser anulado.