Depois dos estágios, os homens têm mais ofertas de trabalho do que as mulheres
Durante o estágio, 58% dos estagiários do sexo masculino na UE receberam uma compensação financeira, percentagem que desce para 45% no caso das mulheres, segundo dados do Tribunal de Contas Europeu.
Quase quatro em cada cinco jovens inquiridos (78%) no Eurobarómetro de 2023, que recolheu as respostas de 26334 pessoas entre os 18 e os 35 anos, afirmaram ter realizado pelo menos um estágio. Já em 2013, a percentagem de inquiridos no Eurobarómetro desse ano era de apenas 46%.
Os estágios são cada vez mais utilizados pelos jovens como forma de contactarem pela primeira vez com o mercado de trabalho. Durante estes pequenos períodos de trabalho, normalmente não pago, os estagiários recebem formação e adquirem experiência numa área ou carreira específicas. A definição apresentada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela União Europeia (UE) refere ainda que o estágio pode ser ou não remunerado e que tem como fim “aumentar a empregabilidade e facilitar a transição para um emprego regular”.
Partindo da ideia de que estágios de qualidade se traduzem em resultados positivos ao nível da empregabilidade, o TCE decidiu analisar, entre 2013 e 2023, não só a evolução do número de estágios na UE, como também as acções dos Estados-membros ao nível destas experiências profissionais. As conclusões foram partilhadas nesta terça-feira no relatório “Acções da UE de apoio aos estágios para jovens”.
Segundo a informação avançada pelo Tribunal de Contas Europeu (TCE), a percentagem de jovens que fizeram um estágio “aumentou muito na última década”. Apesar de não existirem dados oficiais, o TCE estima que cerca de 3,7 milhões de jovens da UE realizam um estágio todos os anos. Deste grupo, dois terços acabaram por encontrar emprego seis meses depois de terminarem o estágio, sendo que os homens acabaram por ter mais ofertas de emprego do que as mulheres.
Em Portugal, 75% dos cerca de mil jovens entrevistados no inquérito de 2023 revelaram ter tido pelo menos um estágio. Em Espanha, França e Alemanha, as percentagens chegam aos 82%, 87% e aos 90%, respectivamente. Cerca de 11% dos jovens portugueses que disseram ter realizado pelo menos um estágio trabalharam noutro país da UE. Em Espanha, este valor sobe para os 18%. Na França e na Alemanha, regista-se 23%.
Cerca de 60% dos inquiridos no Eurobarómetro de 2023 concordaram ainda que o último estágio foi ou seria útil para encontrar um emprego regular. Já 28,7% encontraram emprego após o último estágio. O documento partilhado pelo TCE revela ainda que “homens receberam mais frequentemente ofertas de emprego na sequência de um estágio do que as mulheres”.
Diferenças nos Estados-membros
Apesar do número crescente de jovens estagiários, o TCE mostra-se preocupado com as definições variadas de estágio definidas pelos Estados-membros, que afectam a forma como os estágios são implementados.
“Em 16 dos 27 Estados-membros, não existe uma definição jurídica ou comum do que um estágio implica”, explica o relatório partilhado pelo TCE. E, nos casos em que há definições, estas variam de país para país, acrescenta. Como tal, não se sabe se os empregadores dos diferentes países seguem as normas mínimas que garantem a qualidade dos estágios definidas na Recomendação do Conselho Europeu de 2014.
Por outro lado, a designação defendida pelo Conselho Europeu é considerada “genérica” pelo tribunal europeu. Como também “não esclarece em que condições os estagiários podem ou não ser considerados trabalhadores”. E, se os estagiários não forem vistos como trabalhadores, então não vão estar protegidos pela legislação da UE relativa ao direito do trabalho, aponta.
Em Portugal, tanto os estágios ligados às políticas activas do mercado de trabalho, que ajudam na transição mais eficiente do desemprego para o emprego, como os estágios propostos livremente seguem medidas jurídicas específicas no código de trabalho. Por exemplo, apenas os estágios profissionais é que são obrigatoriamente remunerados. Os estágios curriculares, extracurriculares e internacionais não pressupõem um pagamento obrigatório. Em comparação, nos Países Baixos, na Chéquia e na Hungria os estágios são regulamentados pelo direito do trabalho geral.
Estágios não remunerados afastam jovens
Segundo o relatório, entidades europeias, como o Fórum Europeu da Juventude e a Confederação Europeia de Sindicatos destacaram os horários de trabalho longos, a cobertura insatisfatória em termos de riscos para a saúde, a segurança e falta de remuneração ou compensação como condições que prejudicam as experiências de estágio. Além disso, os estágios também são utilizados pelas entidades empregadoras como forma de substituição dos trabalhadores habituais. O relatório refere que existe a obrigação jurídica de pagar aos estagiários em 15 dos 27 Estados-membros.
Ainda assim, excluindo o pagamento, 68,7% dos entrevistados no Eurobarómetro de 2023 concordaram que as condições de trabalho, como o tratamento, a quantidade de tarefas, o horário laboral, entre outras, eram “equivalentes às do pessoal habitual”.
Ao nível da remuneração, o tribunal europeu nota que 65% dos estagiários são pagos. Porém, “verifica-se uma disparidade de género: 58% dos estagiários do sexo masculino responderam que receberam uma compensação, mas este valor é apenas de 45% no caso do sexo feminino”.
Em Portugal, 67% dos entrevistados no inquérito de 2023 receberam alguma compensação financeira no decurso do estágio. Também em França, mais de metade dos inquiridos (52%) teve uma remuneração. Já em Espanha e na Alemanha, os estagiários que não receberam uma compensação excedem a percentagem que foi paga, registando-se 47% e 39%, respectivamente.
Embora a compensação seja uma realidade para dois terços dos entrevistados, a inexistência de um salário pode impedir jovens de optarem por este tipo de experiência. “Este é um problema para os jovens que se vêem obrigados a recusar um estágio por não terem condições financeiras para o fazer e pode dificultar aos jovens desfavorecidos encontrarem um primeiro emprego”, refere o tribunal, em comunicado partilhado com o PÚBLICO.
Segundo o TCE, os empregadores defendem que “um estágio é uma experiência de aprendizagem e que os estagiários não são normalmente trabalhadores” e que não há evidências que comprovem “a relação entre a oferta de uma compensação e os estágios de mais qualidade”. Em contraste, “os representantes sindicais e as organizações de juventude têm reivindicado a proibição dos estágios não remunerados”.
"Os estágios tornaram-se cada vez mais importantes para muitos jovens que entram no mercado de trabalho, portanto é essencial serem de boa qualidade", salienta a porta-voz do TCE responsável pelo documento de análise, Eva Lindström. "O quadro estratégico da UE para os estágios está a ser actualizado, o que é uma boa oportunidade para resolver os desafios que assinalámos", adiciona, em comunicado.
Texto editado por Renata Monteiro