Aliada de Taiwan, Guatemala admite estabelecer relações comerciais com a China

Chefe da diplomacia guatemalteca defende manutenção das relações com a ilha reivindicada pela China. Mas Pequim lembra que o princípio “uma só China” é “premissa fundamental” para qualquer cooperação.

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Já sobram poucas bandeiras de aliados diplomáticos de Taiwan junto ao edifício do Ministério dos Negócios Estrangeiros taiwanês, em Taipé EPA/RITCHIE B. TONGO
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O Governo da Guatemala está a ponderar estabelecer relações formais com a República Popular da China, admitiu à Reuters o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Carlos Ramiro Martínez. A confirmar-se, será mais uma dor de cabeça para Taiwan, que perdeu recentemente um aliado diplomático (Nauru), dias depois de a população ter eleito para Presidente do território governado de forma autónoma desde 1949 Lai Ching-te, um político considerado “extremista” e “separatista” pelo Governo chinês.

Carlos Ramiro Martínez garante que a Guatemala quer manter os actuais laços diplomáticos com Taiwan, mas é difícil, se não impossível, perceber como o poderá fazer, tendo em conta que Pequim exige a todos os países que queiram ter relações consigo que reconheçam o princípio “uma só China”, segundo o qual a ilha taiwanesa é uma província chinesa.

Foi, aliás, precisamente isso que Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, sublinhou esta terça-feira, em declarações aos jornalistas. O respeito pelo princípio uma só China, afirmou, “é a premissa fundamental e a base política para a cooperação da China com todos os países, incluindo a Guatemala”.

“Espera-se que o novo Governo da Guatemala responda à tendência histórica e contemporânea e tome uma decisão correcta, o mais rapidamente possível, que é fundamental para os interesses da nação e do povo guatemalteco a longo prazo”, acrescentou o porta-voz, citado pela Reuters.

O novo Presidente da Guatemala, Bernardo Arévalo, tomou posse em meados do mês passado. Durante a campanha eleitoral, já tinha defendido que pretendia “melhorar” as relações com a China, nomeadamente em matéria comercial.

“Vamos continuar a trabalhar com Taiwan nos níveis em que temos trabalhado. Mas o Presidente sublinhou que não podemos ignorar o peso e o poder que a China representa”, disse Martínez à Reuters.

Segundo o chefe da diplomacia guatemalteca, o novo Governo está “interessado em abordar” a China para “tentar desenvolver um tipo de relacionamento em redor do comércio”, que ajude a encontrar mercado no gigante asiático para produtos do país latino-americano.

Enfatizando que, ao assumir publicamente esta intenção, o Governo guatemalteco está a agir com transparência, o ministro afiançou ainda que “não se trata de uma emboscada a Taiwan ou aos Estados Unidos”.

Apesar de não ter relações oficiais com Taipé, Washington é um dos principais fornecedores de armamento da ilha asiática e encara-a como um importante actor geopolítico para a contenção da China na região alargada do Indo-Pacífico.

Por mais do que uma vez, Joe Biden, Presidente norte-americano, respondeu ao aumento dos exercícios militares chineses no estreito de Taiwan nos últimos anos, dando a entender que os EUA podem vir a defender o território de uma invasão da China – cenário que, segundo as autoridades militares e políticas taiwanesas pode ocorrer durante a próxima década, tendo em conta a insistência, do Partido Comunista Chinês e do Presidente, Xi Jinping, de que a China nunca renunciará ao uso da força para alcançar a “reunificação”.

Lista cada vez mais reduzida

A Guatemala faz parte de uma lista de países com pouco peso económico e geopolítico – localizados, sobretudo, no Pacífico Sul e na região das Caraíbas – que reconhecem a República da China (Taiwan), em vez da República Popular da China, como representante legítima do poder político e constitucional chinês.

A disputa entre Taiwan e a China continental tem origem na fuga do Governo nacionalista chinês, do partido Kuomintang, para a ilha, em 1949, depois de ter sido derrotado pelas forças comunistas de Mao Tsetung, na guerra civil chinesa.

Desde que o Partido Democrático Progressista chegou ao poder em Taiwan, em 2016, que a ilha já viu 11 aliados virarem-lhe as costas e estabelecerem laços oficiais com Pequim. Actualmente, a lista de aliados conta com 12 Estados, incluindo o Vaticano.

O Governo de Taipé acusa a China de “comprar” os seus aliados, com promessas de investimento em obras públicas e de empréstimos significativos, a troco do reconhecimento do princípio “uma só China”. O objectivo, diz Taiwan, é isolar internacionalmente o território insular, que tem mais de 23 milhões de pessoas e que é líder mundial na produção e venda de semicondutores.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros taiwanês reagiu às notícias sobre a disponibilidade guatemalteca para estabelecer relações com a China esclarecendo que não pretende competir com a “diplomacia de livro de cheques” de Pequim, mas mostrando-se determinado em continuar a cooperar com a Guatemala “na base da defesa dos seus valores partilhados de democracia e liberdade”.

Em Março do ano passado, as vizinhas Honduras anunciaram o estabelecimento de relações oficiais com a China, cortando as ligações com Taiwan, no final de um processo diplomático que também teve início numa campanha eleitoral.

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