Era adolescente e queria ir ver concertos, o salto ao Porto era inevitável. Pensava na minha ida para a universidade e era certo que seria fora da cidade onde tinha crescido. Os meus pais foram alvo de três intervenções cirúrgicas totalmente distintas e todas elas foram realizadas fora da cidade onde moram. E como é óbvio nunca encontrei a estabilidade na vida profissional para me manter na minha cidade natal.
Vivi em Lamego até à ida para a universidade, ou seja até aos meus 18 anos. Regressei um pouco mais tarde onde fiquei a viver durante mais alguns anos até sair do país. Entre essas duas alturas, vivi no Porto, Vila Nova de Gaia, em Vila Real e alguns meses em Lisboa. O país continua a assistir ao esquecimento do interior, como uma vassoura que o varre pó para debaixo de um tapete que é apenas pisado esporadicamente por algumas figuras do estado em alguns eventos patrióticos, tal é a ironia.
O êxodo rural que acontece desde os anos 1960 tem levado a um despovoamento no interior do país, e subsequentemente a um envelhecimento da população, hipotecando assim o futuro destas regiões. A falta de investimento, de incentivos e de oferta cultural em algumas cidades e vilas levam pessoas como eu a fazer o percurso natural, fazer o 12º ano e sair para voltar a casa só em tempo de férias, sejam elas da escola universitária ou da vida laboral.
Do meu grupo de amigos do tempo do secundário, apenas dois vivem em Lamego. O resto vive em Lisboa e depois lá fora: Inglaterra, França, Alemanha, Dinamarca, etc, chegando a ser mais fácil encontrarmo-nos pela Europa do que em Portugal. Lamego está agora muito lá para trás, no tempo e no desenvolvimento. Como Lamego estão outras pequenas cidades, vilas e aldeias que são, de vez em quando, pontinhos num mapa de uma campanha eleitoral, de um 10 de Junho ou de uma ou outra inauguração de obras feitas para o inglês ver.
O interior sobre o qual vos escrevo não é o mesmo interior de por exemplo Viseu, capital de distrito em crescimento há largos anos. O interior sobre o qual escrevo é o interior do fecho de agências dos CTT ou da Caixa Geral de Depósitos, o interior do fecho de escolas e de falta de transportes públicos. O interior da falta de hospitais públicos capazes de fornecer tratamentos e evitar que um paciente que viva numa aldeia tenha de fazer duas horas de ambulância, três vezes por semana, para que tenha um tratamento oncológico assegurado (isto é quase morrer da cura e não da doença). O interior da agricultura como meio de subsistência. O interior da falta de oferta cultural, da falta de espaços que promovam a educação e o crescimento enquanto cidadãos de uma sociedade que se quer responsável. O interior das SCUT, essas auto-estradas para as quais não há alternativas mas que mesmo assim continuam a ser altamente taxadas aos condutores.
A falta de investimento público no interior do país prejudica não só a própria região, como todo o litoral português que está agora cada vez mais preenchido. Lisboa, Porto, Aveiro lutam em todas as vertentes para conseguirem dar resposta a este excesso: não há habitação, se a há é cara, os serviços públicos não funcionam, o trânsito é caótico, há filas de espera nos hospitais, nas lojas de cidadão, nas finanças, nos correios, etc.
O interior não pode ser só alvo de obras de avenidas e pavilhões, de parques e de casas de alojamentos locais (atenção, nada tenho contra quem faz disto solução). O interior precisa de investimento sério, investimento na indústria, na ciência, investimento na criação de condições para que se torne atractivo tanto para empresas como para um eventual regresso dos que lá nasceram. Precisa de investimento nos mais jovens e que se acredite nas novas gerações. Precisa de cultura e de eventos dignos desse nome.
Tenho a certeza que muita coisa positiva foi feita também, que nem todos os progressos são os mais visíveis a toda a gente para que sejam ressalvados, mas que têm, na mesma, uma importância fundamental para que o interior não esteja ainda mais distante. Há certamente, em Portugal, muita gente capaz de tornar o país muito mais justo e homogéneo, acessível a todos, mas para isso exigimos que o Estado não continue com este Alzheimer selectivo e que se lembre de que o interior é feito de pessoas, tal e qual como no resto do país.