Entre todas as novas promessas que André Ventura fez na convenção do Chega não se esqueceu de mencionar os imigrantes “que não podemos aceitar”. O presidente do partido de extrema-direita vê os migrantes e refugiados, que procuram asilo no nosso país, com o filtro da xenofobia e do racismo.
A extrema-direita é e está a ficar mais perigosa. Depois da líder do partido de extrema-direita Irmãos de Itália, Giorgia Meloni, ter assinado um acordo com a Albânia para a criação de dois centros de pré-deportação de migrantes resgatados no Mediterrâneo, sob jurisdição italiana, o autointitulado anarcocapitalista Javier Milei vence as eleições na Argentina. A extrema-direita vai ganhando mais poder e sofremos todos com este crescimento, em especial os refugiados que tentam atravessar o Mediterrâneo em busca de segurança e de asilo em países europeus.
Mas a semente do mal é anterior. Lembremos os acordos em vigor desde 2016 e 2017 que, ainda que assinados entre países da União Europeia não governados pela extrema-direita e países terceiros, continuam a receber o apoio de governantes fascistas, agora eleitos, e têm como objetivo estancar a chegada de migrantes à Europa.
Em 2017, Itália assinou um acordo bilateral com a Líbia para repatriação de pessoas que tentam chegar à Europa pelo Norte da África, violando a obrigação internacional de não-devolução de migrantes e requerentes de asilo. Milhares são intercetados pela guarda costeira líbia e forçados a voltar, enfrentando detenção, extorsão, trabalho forçado, tortura, violência sexual e abusos.
Meloni, apesar de responsável pelo acordo com a Albânia, não foi a autora do acordo com a Líbia, que perpetua atos ilegais financiados pela União Europeia. O direito internacional exige que resgatados no mar sejam levados ao local seguro mais próximo, não a Líbia, considerada insegura. O acordo do Partido Democrático de Gentiloni procura evitar entrada de refugiados e criminalizar ONGs de resgate, acusando trabalhadores humanitários de tráfico e auxílio à imigração ilegal.
A extrema-direita europeia usa a herança do Partido Democrático para argumentar contra políticas migratórias europeias, alegando custos elevados. A União Europeia destina 79,5 mil milhões de euros para ajuda internacional (até 2027), 10% em questões migratórias. Escolher entre investir 79,5 mil milhões em políticas de acolhimento e integração ou aumentar o orçamento da Frontex e construir campos de refugiados é uma escolha clara. A desresponsabilização da comunidade pró-migração reflete uma adesão aos princípios da direita conservadora.
À semelhança do acordo assinado entre a Itália com a Líbia, também a União Europeia entendeu com a Turquia, em 2016, na sequência do grande fluxo de deslocações de pessoas fugidas da guerra na Síria, que o país vizinho da Grécia acolheria os refugiados que ali chegassem. A Turquia já alojava até então 3,5 milhões de refugiados e por cada cidadão sírio recebido a partir da assinatura do acordo, a UE responsabilizar-se-ia por acolher e integrar outro. Ao contrário da Líbia, a Turquia é considerada um país seguro, o que viabiliza a possibilidade de retornar refugiados que chegam à Grécia. No entanto, e apesar do acordo com a UE manifestar um investimento de 6 mil milhões de euros para a Turquia, destinado ao acolhimento dos refugiados, desde 2020 foram documentados mais de 27.000 casos de pushbacks ilegais — ou retornos forçados — pela Frontex, Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, que atua nas águas que separam o território grego do turco. Colocar pessoas em situação vulnerável e com direito a pedir asilo num barco de borracha, para além de imoral, é ilegal e esta é uma situação que deverá ser imediatamente travada.
Com tudo isto, a extrema-direita vai ganhando espaço, as políticas migratórias europeias vão ficando cada vez menos a par do direito internacional e em alternativa ao combate à migração ilegal, que pretende salvar e proteger vidas, tortura-se, extorque-se, explora-se e mata-se. E o vírus vai-se espalhando, não só pela Europa, como pela América Latina. Há mais detenções, mais restrições ao direito de asilo, mais deportações, mais vidas que se perdem no Mar Mediterrâneo Central.
No dia 10 de março de 2024 terá lugar a eleição de 230 lugares da Assembleia da República. Na legislatura anterior, o partido de extrema-direita, Chega, elegeu 12 deputados. Não podemos permitir que Portugal siga os passos de outros países da União Europeia. Há vidas em risco e devem ser protegidas.