Ana Gomes ilibada no caso em que chamou escroque a Mário Ferreira

Apesar de ofensivo da honra, comentário da ex-eurodeputada insere-se no direito à liberdade de expressão, diz Tribunal da Relação do Porto em decisão que teve um voto de vencido.

Foto
Ana Gomes, ex eurodeputada Rui Gaudêncio (arquivo)
Ouça este artigo
00:00
03:14

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A ex-eurodeputada Ana Gomes foi absolvida pelo Tribunal da Relação do Porto no processo em que havia sido inicialmente condenada por ter chamado ao empresário Mário Ferreira “notório escroque/criminoso fiscal”.

Em Setembro passado, um tribunal de primeira instância sentenciou a diplomata ao pagamento de mais de dez mil euros, por causa das declarações que fez num programa de televisão e na rede social Twitter (agora X), a propósito do baptismo de um paquete construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo para uma das empresas do universo de Mário Ferreira.

Na altura, a juíza que proferiu a condenação pelo crime de difamação agravada considerou que Ana Gomes tinha “ultrapassado a fronteira [da liberdade de expressão] ao afirmar ‘notório escroque’”, já que este é claramente “um juízo sobre uma pessoa”. Se a intenção de Ana Gomes era criticar a actuação do empresário naquele negócio, aquela expressão era “totalmente desnecessária”, disse.

Ao fazê-lo, “afectou a imagem e credibilidade” do empresário, considerou ainda, lembrando que escroque tem um sentido de alguém desonesto e aldrabão. Dos mais de dez mil euros, oito mil destinavam-se a indemnizar Mário Ferreira, correspondendo o resto do pagamento a uma multa.

Vem agora dizer o Tribunal da Relação do Porto, num acórdão redigido pelo desembargador João Pedro Pereira Cardoso, que, apesar de o epíteto usado pela comentadora televisiva ser efectivamente ofensivo da honra do empresário, a forma como foi usado se insere no direito à crítica e à liberdade de expressão. A decisão de absolver Ana Gomes não foi, porém, unânime: um dos três juízes aos quais coube analisar a questão, Rodrigues da Cunha, deixou escrito no seu voto de vencido que a arguida “ultrapassou claramente a fronteira do legítimo exercício do direito de opinião e à crítica”.

Porém, segundo a posição que fez vencimento, e que alude ao crescendo de condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos precisamente por causa da violação da liberdade de expressão nos tribunais nacionais, Ana Gomes insultou o empresário em determinado contexto: “Chamou-lhe ‘notório escroque/criminoso fiscal’, associando esses juízos de valor críticos à correlacionada ‘vigarice da venda do navio Atlântida’”.

Dizia o tweet em causa: “Custa ver @antoniocostapm tratar como gde empresário notório escroque/criminoso fiscal Mário Ferreira, ao lado de capangas presenteados c/#ENVC por gov Passos/Portas/Aguiar Branco. @mariofcenteno e DGAT lá sabem porq nunca reagiram a minhas cartas s/vigarice venda navio #Atlântida!".

Recordando que as figuras públicas, como é o caso de Mário Ferreira, devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, sendo admissível um maior grau de intensidade das críticas, diz o acórdão proferido esta quarta-feira que Ana Gomes dirigiu o seu epíteto “não ao carácter em geral do indivíduo, antes e só ao comportamento desonesto e fiscalmente criminoso ali visado”.

“No significado mais ecléctico do vocábulo ‘escroque’, acrescentar o sinónimo ‘desonesto’ ou ‘vigarista’ a um ‘criminoso fiscal’ não passa de uma redundância pejorativa intensificada”, assinala o tribunal, acrescentando que, na verdade, “não existe criminoso fiscal que não seja desonesto, pelo que a utilização interligada dos vocábulos não passa de uma crítica mais severa ou exagerada”.

Por outro lado, diz ainda a sentença, a diplomata está convencida de que o seu alvo, “na sua actividade empresarial, exibe um padrão de comportamento trapaceiro, de mentiras e embustes quanto ao cumprimento das suas obrigações fiscais — um comportamento, em suma, de escroque, vigarista ou desonesto”.

Sugerir correcção
Ler 45 comentários