Seca: mais um campo de golfe no Algarve. APA impõe rega com águas residuais

O segundo golfe do empreendimento turístico Monte Rei, em discussão pública, não poderá usar água das barragens do perímetro de rega do sotavento algarvio, avisa a Agência Portuguesa do Ambiente.

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Existem cerca de 40 campos de golfe na região do Algarve Mario Lopes Pereira/Arquivo
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A reunião do Conselho de Ministros, esta quinta-feira, deverá abordar as medidas restritivas à utilização da água para rega no Algarve. “Nós, [agricultores], vamos ter uma decisão do Governo a dizer que é proibido fazer novos pomares — e os novos campos de golfe? É permitido?”, pergunta o presidente da Associação de Regantes do Sotavento Algarvio, Macário Correia, manifestando preocupação com o agravamento da seca na região. A extensão do campo de golfe do empreendimento turístico Monte Rei, no concelho de Vila Real de Santo António, encontra-se em consulta pública até dia 8 de Fevereiro. “Não sei onde vão encontrar água”, comenta o ex-autarca de Tavira.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), questionada pelo PÚBLICO, informou que este equipamento — reconhecido pelo Turismo de Portugal como uma “mais-valia” para a economia da região — só terá viabilidade se vier a utilizar águas residuais na rega. Até agora, o Ministério do Ambiente apenas “recomendava” que os projectos dos campos de golfe contemplasse a possibilidade de vir a aproveitar os efluentes tratados das estações de tratamento de águas residuais (ETAR).

“Alteraram as condições relativas aos recursos hídricos (subterrâneos e superficiais) que presidiram à emissão da declaração de impacte ambiental [DIA]”, justifica a APA. Por isso, a viabilidade do licenciamento do novo campo golfe “está dependente da garantia de água para rega sem recurso a origens de águas doces naturais”.

O empreendimento turístico Monte Rei – Golf & Country Club situa-se numa zona predominantemente rural e agro-florestal, a norte da Via do Infante (A22), na freguesia de Vila Nova de Cacela. O alargamento do golfe, lê-se na DIA emitida em 2019, corresponde a um segundo campo, que terá 18 buracos, com intervenção numa área superior a 56 hectares, dos quais 30 hectares são relvados. O primeiro golfe do aldeamento entrou em funcionamento em 2005.

No ano passado, refere Macário Correia, serviram-se do sistema de barragens destinadas à agricultura. “Usaram e até abusaram [da água]”, mas foi-lhes imposta uma “redução considerável”. Os relvados mantiveram-se com recurso a seis furos, embora o caudal não seja abundante, por se situar numa zona de serra xistosa.

A chuva do passado mês de Outubro, por momentos aliviou o stress hídrico, mas as condições meteorológicas tem vindo a agravar-se dia após dia. Por conseguinte, a rega do segundo golfe, sublinha a APA, não pode ficar dependente do fornecimento da água a partir do Aproveitamento Hidroagrícola do Sotavento Algarvio. Ou seja, sublinha, “a garantia de água apenas poderá assentar na utilização de água para reutilização e/ou dessalinização”.

Águas residuais regam 3,4% dos relvados

A estação de tratamento de águas residuais (ETAR) mais próxima do empreendimento, em Vila Real de Santo António, fica a 15 quilómetros e tem riscos de intrusão salina principalmente nas marés vivas — situação que não é única na região. Na mesma zona, o campo do Castro Marim Golf reutiliza uma parte mínima da ETAR, mas a principal fonte de abastecimento é a Barragem da Caroucha, no sítio da Junqueira.

Na última década foram aprovados três campos de golfe — em Silves, Lagoa e Vila Real de Santo António (Monte Rei). A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR), interpelada pelo PÚBLICO, informou que o primeiro deixou caducar a DIA, o de Lagoa está em construção (prevendo-se a ligação à ETAR da Boa Vista) e o golfe de Monte Rei pediu o prolongamento da DIA, que terminaria em Dezembro do ano passado, para manter os chamados direitos adquiridos – o instrumento que fez nascer no Algarve hotéis e campos de golfe em zonas improváveis.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) dispõe de 200 milhões para concretizar o Plano de Eficiência Hídrica até 2025, incluindo a construção da central de dessalinização e as obras para diminuir uma média de 30% de fugas na rede de distribuição pública. No curto prazo, o presidente da CCDR, José Apolinário, manifesta-se apreensivo com o aumento do uso da água, numa região cada vez mais tropicalizada.

“Vemos com preocupação o aparecimento de novos campos de golfe, bem como o aparecimento de novas áreas de regadios sem serem acauteladas novas fontes de abastecimento de água de origem sustentável”, enfatiza. O Plano de Ordenamento Territorial do Algarve (Prot-Algarve) não estipula o número de campos de golfe a instalar, mas define um conjunto de critérios no sentido de garantir a qualidade dos ecossistemas e sustentabilidade do território.

Na última reunião da Assembleia Municipal de Loulé, convocada extraordinariamente para discutir os problemas relacionadas com a seca e recolha de lixos, o presidente da empresa Águas do Algarve, António Eusébio, revelou que mais de metade das águas residuais produzidas nas ETAR estão contaminadas pela intrusão salina. De um volume de 40 milhões de metros cúbicos, sublinhou, 24 milhões não podem ser usados na rega. “Neste momento, no Algarve, reutiliza-se apenas 3,4% de efluente tratado”, especificou o director da empresa, António Martins. O potencial de reutilização, nos próximos tempos, adiantou, está na fasquia dos 8 milhões de metros cúbicos.