Porque é que os agricultores europeus estão a protestar? E em Portugal?
Os protestos dos agricultores europeus concentram-se esta quinta-feira em Bruxelas, onde decorre a cimeira europeia. Em Portugal, um movimento cívico cortou várias estradas bem cedo, pela manhã.
À medida que os protestos dos agricultores se espalham pela Europa, a Comissão Europeia propõe medidas para acalmar os ânimos. A manifestação acontece no mesmo dia em que decorre a reunião do Conselho Europeu para aprovar o apoio financeiro da UE à Ucrânia. Dos bloqueios de estradas aos protestos em ruas e mercados, compreenda o que está em causa nestas manifestações do sector agrícola.
Porque é que os agricultores estão a protestar?
Os agricultores em França, o maior produtor agrícola da União Europeia, argumentam que não estão a ser pagos o suficiente e que se sentem sufocados por uma regulamentação excessiva em matéria de protecção ambiental. O sector questiona, por exemplo, os produtos importados da Ucrânia com regras mais flexíveis.
Mas os protestos estendem-se a outros países, como a Bélgica, Alemanha, Itália e mesmo Portugal. Agricultores espanhóis e italianos afirmaram que se estavam a juntar ao movimento de protesto com o objectivo de pressionar os governos a flexibilizar as regras ambientais e a protegê-los do aumento dos custos e das importações baratas.
Filas de tractores começaram a circular, num buzinão, pelas ruas do bairro europeu de Bruxelas ao início da manhã desta quinta-feira, ao mesmo tempo que decorre uma cimeira de governantes da UE.
E em Portugal?
Várias estradas do país estavam condicionadas cerca das 7h30 devido ao protesto dos agricultores, que mobiliza centenas de veículos agrícolas, disse à agência Lusa fonte da Guarda Nacional Republicana (GNR).
O protesto, uma iniciativa do Movimento Civil de Agricultores, decorre um dia depois de o Governo ter anunciado um pacote de mais de 400 milhões de euros, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC).
Segundo um comunicado divulgado na quarta-feira pelo movimento, os agricultores portugueses reclamam o direito à alimentação adequada, condições justas e a valorização da actividade. Na Guarda, dezenas de máquinas agrícolas e agricultores estão a interromper desde as 6h a circulação na Auto-Estrada 25 (A25), entre o nó de Leomil e Vilar Formoso.
O protesto está a juntar agricultores da região da Beira Interior, de acordo com um porta-voz do Movimento Civil de Agricultores. A revolta partiu de um movimento que terá nascido nas redes sociais após os anunciados cortes de 35% e 25% nos montantes a pagar ao abrigo dos regimes ecológicos de agricultura biológica e de produção integrada.
O Governo português anunciou quarta-feira apoios financeiros aos agricultores, no valor aproximado de 500 milhões de euros, medida que ajudou a arrefecer os ânimos da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).
A CAP confiou no “compromisso assumido pelo primeiro-ministro de pagar a totalidade das verbas” das medidas agro-ambientais no âmbito do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, no valor global de 65 milhões de euros, e garantiu que, por enquanto, não vai avançar para manifestações.
Apesar das medidas anunciadas pelo Governo, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) não põe travão ao descontentamento dos agricultores. “As reivindicações prendem-se com os rendimentos”, garantiu ao PÚBLICO Pedro Santos. “O problema de fundo continua a não ter qualquer resposta do Governo”, diz o dirigente, confirmando a realização de uma marcha de tractores na sexta-feira, em Estarreja, mas rejeitando qualquer ligação a movimentos de protesto “desorganizados”. “Esperamos que os agricultores não se deixem instrumentalizar”, disse.
Como a Comissão Europeia está a reagir?
A Comissão Europeia apresentou propostas para limitar as importações agrícolas da Ucrânia e facilitar algumas regulamentações ambientais, segundo a Reuters.
Estes anúncios, no entanto, não conseguiram impedir que muitos agricultores da Bélgica e de outros países conduzissem os seus tractores para o centro da cidade de Bruxelas antes de um comício planeado para coincidir com a cimeira dos líderes desta quinta-feira.
Os líderes da União Europeia têm agendada uma cimeira para esta quinta-feira. Embora a crise dos agricultores não esteja oficialmente na agenda do encontro, é inevitável que a questão seja discutida, nem que seja à margem do evento.
Os protestos por toda a Europa precedem as eleições para o Parlamento Europeu em Junho, nas quais a extrema-direita, para quem os agricultores representam um eleitorado crescente, pode lucrar com este contexto de tensão no sector.
O que se pode esperar desta quinta-feira em Bruxelas?
Filas de tractores começaram a circular, num buzinão, pelas ruas do bairro europeu de Bruxelas ao início da manhã desta quinta-feira, ao mesmo tempo que decorre uma cimeira de governantes da União Europeia, refere a Lusa.
Outros grupos de tractores encontram-se desde a madrugada na circular interna da capital belga, dificultando o trânsito, e as autoridades pediram aos cidadãos que utilizem os transportes públicos para se deslocarem na capital.
Foram vistos tractores em redor do Parlamento Europeu, enquanto a polícia isolava os edifícios da Comissão e do Conselho, de acordo com a Reuters. “Planeamos – como agricultores – ir a Bruxelas e montar barricadas, porque [os líderes] vão-se reunir na quinta-feira”, disse à Reuters o agricultor belga Eddy Dewite, que se encontrava uma rodovia bloqueada por tractores.
Outro agricultor belga, Luca Mouton, de 26 anos, afirmou: “O tempo acabou, [os dirigentes da UE devem] têm de pensar nos agricultores. Falar com os agricultores e não sobre os agricultores, discutir o que é possível. Estamos abertos ao diálogo.”
Os protestos têm sido violentos?
Os protestos têm sido, até agora, em grande parte pacíficos. Houve, contudo, agricultores franceses que incendiaram pneus e pulverizaram edifícios municipais com estrume líquido.
O Governo francês enviou, nesta quarta-feira, veículos blindados para proteger um mercado grossista de alimentos em Paris, de acordo com a Reuters. A decisão vinda de Paris revela como a situação está a agravar-se à medida que os agricultores bloqueiam estradas em França e na Bélgica e os protestos se espalham por outras partes da Europa.
Qual é o impacto dos bloqueios na cadeia de abastecimento?
Responsáveis do mercado de Rungis, do porto de contentores belga de Zeebrugge (onde as estradas de acesso foram bloqueadas pelo segundo dia consecutivo) e de grupos retalhistas britânicos são unânimes em afirmar que, até ao momento, não se registou qualquer impacto importante nas cadeias de abastecimento em resultado dos protestos.
As autoridades policiais de Paris prenderam na última quinta-feira 79 pessoas no mercado distribuidor Rungis. Este espaço comercial – um centro de produção para a França e outros países e um dos maiores do género no mundo – tornou-se um alvo simbólico para agricultores furiosos, muitos dos quais viajaram centenas de quilómetros nos seus tractores para protestar ali.
O ministro do Interior francês, Gerald Darmanin, disse que os protestos nas estradas seriam tolerados, mas que a polícia não permitiria o bloqueio de aeroportos ou do mercado de Rungis.