Problemas de saúde mental são mais prevalecentes em pessoas trans e não binárias

Depressão ou ansiedade são mais comuns em pessoas trans do que em cisgénero, diz estudo inglês. Esta semana, Marcelo vetou lei dos “nomes neutros” e da autodeterminação da identidade de género.

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Uma em cada seis pessoas transgénero desenvolve complicações mentais de longa duração EPA/MARIO CRUZ
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As pessoas transgénero têm uma maior probabilidade de desenvolver doenças mentais de longa duração do que as pessoas cisgénero, confirmou um estudo inglês publicado esta quarta-feira na revista científica The Lancet. Mas registam também uma menor probabilidade de verem as suas necessidades de saúde mental satisfeitas em consultas médicas.

Entre as doenças em causa estarão quadros clínicos de ansiedade, depressão, tendências suicidas, transtornos alimentares e comportamentos autolesivos — mas não doenças como esquizofrenia ou bipolaridade, que estudos mais antigos dizem ter uma prevalência semelhante nas comunidades trans e não binária e na população cisgénero.

De acordo com a investigação, feita pela Universidade de Manchester em colaboração com a The Proud Trust e com a LGBT Foundation, duas associações de defesa dos direitos LGBT+, uma em cada seis pessoas transgénero desenvolve complicações mentais de longa duração. O risco entre os homens transgénero é quase o dobro do registado entre os homens cisgénero: 16,4% para os primeiros, face a 8,8% para os segundos.

Este estudo foi divulgado na mesma semana em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu vetar o diploma que abria a porta à adopção de “nomes neutros” no registo civil, acabando com a obrigatoriedade de escolha de um nome que explicite o sexo da pessoa. O decreto que definia as medidas a adoptar pelas escolas no âmbito da lei da autodeterminação da identidade e expressão de género foi igualmente vetado por Marcelo, numa decisão que, segundo as associações LGBT+, significa um retrocesso susceptível de ameaçar a saúde mental das crianças trans e não binárias.

Enquanto as mulheres cisgénero têm um risco de 12% de registar condições como ansiedade e depressão, entre as mulheres transgénero o risco é de 15,9%. A comunidade mais vulnerável, no entanto, parece ser a das pessoas transgénero não binárias: quase metade (47,2%) reportou ter problemas de saúde mental de longa duração.

Na origem desses quadros clínicos está a “discriminação generalizada” contra as pessoas LGBT+, que “conduz a interacções sociais stressantes e a sentimentos de não-aceitação, aumentando o risco de problemas de saúde mental”, descreveu Luke Munford, especialista em economia da saúde envolvido na investigação. O problema adensa-se entre as pessoas com disforia de género (cuja identidade de género não corresponde ao sexo biológico), principalmente se enfrentarem longas listas de espera para acederem aos tratamentos de transição de género.

Outra explicação é a “má comunicação por parte dos profissionais de saúde e relações inadequadas entre eles e os doentes”, referiu a autora principal do estudo, Ruth Watkinson.“São urgentemente necessárias mudanças para que o SNS se torne um serviço mais favorável aos pacientes transgénero, não binários e com diversidade de género”, considerou. Isso inclui alterações à forma como se registam os géneros com que os doentes se identificam.

Outros estudos, mais pequenos e aplicados em pessoas que procuravam cuidados de saúde específicos para a transição de género, já tinham indiciado que, de modo geral, os membros da comunidade trans e não binária tinham mais probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental do que as pessoas cisgénero.

Mas esta nova investigação olhou para os dados recolhidos junto de 1,5 milhões de pessoas com mais de 16 anos em Inglaterra entre 2021 e 2022 — 0,7% das quais eram transgénero. E focou-se nos relatos cedidos pelas 2600 (0,3%) pessoas não binárias e nas 2277 (0,2%) pessoas que descreveram um género próprio, que não o masculino ou feminino.

Apesar da maior vulnerabilidade da comunidade LGBT+ aos problemas de saúde mental, as suas necessidades tendem a ser menos satisfeitas, sugerem os dados. Dos inquiridos cujas necessidades de saúde mental eram relevantes para última vez que tiveram uma consulta médica, cerca de uma em cada seis pessoas cisgénero considerou que as suas necessidades ficaram satisfeitas. A percentagem baixa para entre 20% e quase 29% noutros grupos de identidade de género.

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