Omeletas e ovos na ciência em Portugal

Se queremos reter e atrair investigadores altamente qualificados em Portugal, não os podemos condenar a uma vida de precariedade.

Ouça este artigo
00:00
04:09

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Estamos a entrar em período eleitoral e é desejável que se apresentem aos cidadãos propostas e visões sobre os diversos temas que afetam a nossa vida em sociedade. Uma democracia saudável depende deste debate, que se espera contínuo, mas que, compreensivelmente, se torna mais intenso e visível nos tempos que antecedem eleições.

Sendo o sistema nacional de ciência e tecnologia (SNCT) um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento do país, seria de esperar que tivesse também algum destaque no debate político. Creio, no entanto, que não tem sido esse o caso. É verdade que se fala com frequência de temas relacionados, tais como o impacto de tecnologias emergentes e até, por vezes, sobre o financiamento, ou da falta dele, das instituições de ensino superior e da investigação científica em geral.

Mas já é muito mais raro ler ou ouvir referências a como se organiza o SNCT em Portugal, quais as suas missões e que papel desempenha e, mais importante, que papel deve desempenhar, no desenvolvimento do país. Também não é muito frequente encontrar reflexões sobre que sistema de ensino superior temos e que articulação deve existir com o SNCT.

Somos todos responsáveis por esta ausência de debate, mas investigadores científicos e professores universitários têm uma responsabilidade acrescida neste tema. Procurando responder ao meu próprio repto, deixo aqui o meu modesto contributo.

A formação avançada de recursos humanos, a produção e transmissão de conhecimento e os mecanismos de inovação, a par da consolidação da cultura científica, têm, necessariamente, de ser desígnios nacionais se quisermos que Portugal esteja mais bem preparado para enfrentar os importantes desafios societais que o século XXI nos impõe. Importa, a este propósito, ter presentes os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, sendo que todos eles exigem pelo menos uma das vertentes anteriormente referidas.

Num tempo de mudanças aceleradas, a formação superior já não pode estar desligada da produção de conhecimento. Só conseguiremos formar cidadãos preparados para os desafios de amanhã se esta formação for feita num ambiente vibrante, que estimule o pensamento crítico, a criatividade e a inovação. Ou seja, a formação superior está intimamente ligada a uma produção científica de qualidade.

Precisamos, portanto, de planeamento estratégico sobre a missão e modelo organizacional do SNCT, dotando-o de recursos humanos e financeiros adequados. Reforço a importância desta componente institucional: várias das missões que devemos pedir ao SNCT – formação avançada, produção e transmissão de conhecimento, inovação e apoio na implementação de políticas públicas em diferentes áreas – exigem consistência e continuidade, pelo que precisam de um enquadramento adequado.

Embora bom e barato seja um objetivo apelativo, não é realista querermos investigação científica de qualidade e, ao mesmo tempo, não investirmos de forma consequente nesse desígnio. Seguramente que os recursos destinados ao SNCT têm necessariamente de ser adequados à realidade do país, mas se este investimento for demasiado curto, imprevisível e mal estruturado, dificilmente pode originar os retornos que queremos.

De igual modo, precisamos de assegurar que quem trabalha no SNCT tem condições profissionais dignas. Não há investigação científica sem pessoas para a fazerem e, se queremos reter e atrair investigadores altamente qualificados, não os podemos condenar a uma vida de precariedade. Não só porque tal é profundamente injusto, mas porque dessa forma perdemos pessoas em cuja formação investimos –​ e bem – recursos consideráveis. Outros países agradecer-nos-ão pelos investigadores que para lá se mudam, mas Portugal ficará mais pobre.

Uma outra falácia comum é a utilização dos fundos europeus. É normal e desejável que estes permitam alavancar o investimento nacional em ciência e tecnologia, mas devem ser complementares e não centrais no modelo de financiamento. Desde logo porque não irão durar para sempre, mas também porque, ao dependermos maioritariamente de fundos europeus em ciência e tecnologia, estamos a abdicar da possibilidade de definir as estratégias nacionais numa área fundamental para o futuro do país.

Se concordarmos que precisamos de ciência e tecnologia, temos de financiar e organizar o SNCT adequadamente. Como é bem sabido, não se pode fazer omeletas sem ovos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar