Campanha mostra que líderes europeus têm PFAS no sangue. “Ninguém está imune”

Gabinete Europeu do Ambiente convidou 11 líderes europeus a testar a presença no sangue de substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), os chamados “compostos químicos eternos”. Todos deram positivo.

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Leena Ylä-Mononen, directora-executiva da Agência Europeia do Ambiente, integra o grupo de líderes europeus que aceitou participar na campanha para banir as PFAS EEB/DR
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Uma campanha do Gabinete Europeu do Ambiente (EEB, na sigla em inglês), divulgada nesta terça-feira, mostra que vários líderes europeus tiveram um teste com resultado positivo para a presença no sangue de diferentes substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), também conhecidas como compostos químicos “eternos”.

“Estes poluentes estão em todos os lugares, da água que bebemos ao ar que respiramos. Estão mesmo dentro dos nossos corpos. Ninguém está imune. Mas há um grande desconhecimento sobre as PFAS, e por isso resolvemos fazer esta campanha envolvendo líderes — para mostrar que isso também os afecta directamente. Eles são as pessoas que estão mais bem posicionadas para tomar decisões para nos protegerem”, afirma ao PÚBLICO Tatiana Santos, responsável pela regulação de substâncias químicas no EEB.

De Frans Timmersmans, político holandês que foi a força motriz do Pacto Ecológico Europeu, a Leena Ylä-Mononen, directora-executiva da Agência Europeia do Ambiente, todos os líderes apresentam no tecido sanguíneo pelo menos quatro dos 13 compostos químicos persistentes para os quais foram testados.

“Os compostos químicos eternos estão por toda parte. Eles invadiram o nosso ambiente, os vegetais dos nossos quintais, peixes e até corpos, onde ficam para sempre. Os cidadãos têm de ser protegidos disso. Precisamos de parar com todas as emissões deste lixo legalizado. Nós apelamos a toda a Europa para banir completamente o uso dessas substâncias químicas”, afirma Frans Timmersmans, antigo vice-presidente da Comissão Europeia para o Pacto Ecológico, citado num comunicado.

As análises sanguíneas revelaram que até sete tipos diferentes de PFAS foram identificados em todos os indivíduos testados. Os valores podem oscilar entre 3,24 e 24,66 microgramas por litro, sendo que o valor médio identificado (8,37 microgramas por litro) acompanha a tendência verificada na população europeia. Cinco dos líderes testados excederam os valores considerados seguros para a saúde humana.

“A poluição química é um problema muito disseminado na Europa, mas há também oportunidades significativas de melhorar esta situação. Para proteger as pessoas e a natureza, e impulsionar a economia circular na Europa, temos de gerir os riscos químicos em grupos, promover compostos seguros e sustentáveis e descontinuar as substâncias mais nocivas”, defende Leena Ylä-Mononen, citada na nota de imprensa. A EEB também já lançou uma petição para banir os chamados compostos "químicos eternos" da Europa.

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Frans Timmersmans, político holandês que foi a força motriz do Pacto Ecológico, encoraja toda a Europa a banir as PFAS EEB/DR

Também participaram na campanha os seguintes líderes europeus: Margrethe Vestager (vice-presidente da Comissão Europeia), Dubravka Šuica (vice-presidente da Comissão Europeia) e Virginijus Sinkevičius (comissário europeu para o Ambiente, o Oceano e as Pescas), além dos deputados europeus Heléne Fritzon, Jutta Paulus, Mohammed Chahim, Martin Hojsík, Nils Torvalds e Petar Vitanov.

Nenhum político português

O objectivo da campanha, feita em parceria com a organização sem fins lucrativos ChemSec, é não só sensibilizar a população europeia para os riscos que as PFAS representam para a saúde humana e ambiental, mas também granjear apoio público para que as propostas para banir (ou limitar) este conjunto de substâncias avancem o mais rapidamente possível.

“Há imenso lobby das indústrias para tentar manter as PFAS em circulação. Há medidas que só serão possíveis com amplo apoio da opinião pública”, explica ao PÚBLICO Susana Fonseca, vice-presidente da associação ambientalista Zero, que também esteve envolvida na campanha.

Susana Fonseca refere que foram convidados políticos portugueses para participar na campanha, mas que, até ao momento, nenhum deles chegou a ser testado.

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A União Europeia pondera, desde Fevereiro do ano passado, uma proposta para proibir as PFAS a partir de 2026 ou, no máximo, no ano seguinte. Se a ideia avançar, esta poderá ser a mais extensa regulamentação comunitária para a indústria química.

Um intervalo entre 18 meses e 12 anos está a ser considerado, segundo a Reuters, para que os fabricantes identifiquem substitutos adequados para os milhares de substâncias em causa. Entre as companhias visadas estão marcas famosas como BASF, 3M, Bayer, Solvay, Merck KGaA e Synthomer. Estas empresas já reagiram ao anúncio europeu e criaram um grupo de pressão sobre a associação europeia de fabricantes de produtos químicos (CEFIC, na sigla em inglês).

“Já existem empresas que estão a trabalhar em substâncias alternativas – isto tem de passar a ser a regra e não a excepção. Isto pode ser economicamente bom para a própria União Europeia, podemos líderes na produção de compostos químicos seguros. Existe esperança para as futuras gerações”, defende Tatiana Santos.

O que são as PFAS?

As PFAS formam uma vasta família de substâncias químicas sintéticas que, desde o fim dos anos 1940, são usadas em diferentes produtos e processos industriais. São compostos persistentes, que não se degradam facilmente. Por isso, são informalmente chamados “eternos”: persistem anos a fio no ambiente e nos organismos, acumulando-se nos solos, na água e nos tecidos vivos.

Todos nós provavelmente estamos em contacto com PFAS no quotidiano. Estas substâncias estão presentes em utensílios de cozinha — um bom exemplo é o revestimento antiaderente das frigideiras —, produtos de higiene ou beleza (incluindo o papel higiénico), embalagens alimentares, tecidos antimanchas ou impermeáveis, espumas de combate aos incêndios e dispositivos médicos.

Existem hoje milhares de PFAS, sendo que o número aproximado varia conforme a fonte: entre 4700 e 10 mil. Desse total, as autoridades europeias definiram níveis de segurança para apenas dois grupos dessas substâncias perfluoroalquiladas: PFOA e PFOS.

Cinco dos 11 líderes europeus testados apresentaram valores que excedem não só os 2 microgramas/litro de PFOA e 5 microgramas/litro ​de PFOS, mas também os limites toleráveis de quatro grupos diferentes de PFAS combinados. Os indivíduos expostos a este tipo de “efeito cocktail” têm um risco aumentado de problemas hepáticos, imunitários ou associados ao colesterol elevado.