Agricultores europeus intensificam protestos contra aumento dos custos
Polícia francesa prendeu dezenas de pessoas em confrontos nos arredores de Paris. Agricultores franceses têm feito dezenas de bloqueios em estradas nos últimos dias. Outros países prometem juntar-se.
Os protestos dos agricultores franceses chegaram esta quarta-feira aos arredores de Paris, onde a tensão com as autoridades se intensificou, culminando em mais de 70 pessoas detidas. Os agricultores em França, o maior produtor agrícola da União Europeia (UE), estão há semanas nas ruas para reivindicar mais valorização dos seus produtos, menos impostos e burocracia, incluindo regras ecológicas, e maior protecção contra o que consideram ser concorrência desleal de produtos de fora da UE.
Os protestos têm sido, até à data, em grande parte pacíficos — ainda que os agricultores franceses tenham lançado estrume líquido nos edifícios das autarquias e incendiado pneus — e até agora a polícia tinha deixado os agricultores bloquearem as auto-estradas sem intervir, mas durante os confrontos desta quarta-feira a polícia prendeu pelo menos 79 pessoas, de acordo com a Reuters. Segundo o Governo francês, há actualmente cerca de dez mil agricultores em protesto nas estradas francesas, bloqueando cem pontos ao longo das principais vias.
As autoridades francesas tinham enviado veículos blindados para proteger o mercado internacional de Rungis, nos arredores de Paris. O ministro do Interior, Gerald Darmanin, que até ao momento tinha exibido tolerância face aos protestos, mostrou-se intransigente sobre o eventual avanço dos agricultores sobre pontos estratégicos. “Eles não podem atacar a polícia, não podem entrar em Rungis, não podem entrar nos aeroportos de Paris ou no centro de Paris”, afirmou Darmanin, em declarações ao canal France 2. “Mas deixem-me dizer-vos mais uma vez que, se eles tentarem, nós estaremos lá.”
As pessoas detidas conduziam tractores e tentavam bloquear o grande mercado abastecedor de Rungis, um centro de distribuição de produtos para França e para o estrangeiro, informou uma fonte das forças de segurança. De acordo com a polícia de Paris, as pessoas detidas tinham entrado num armazém, causando danos não especificados no interior. O canal BFM TV mostrou imagens de tractores a sair das estradas e a atravessar os campos para contornar a polícia, perto do rio Loire, depois de serem impedidos pela polícia de se aproximarem de Paris.
Respostas europeias
Numa altura em que agricultores de outros países, incluindo Portugal, prometem aliar-se aos protestos, a Comissão Europeia veio esta quarta-feira apresentar algumas medidas para tentar responder às reivindicações.
O executivo comunitário propõe, por um lado, isentar os agricultores da UE da obrigação de manterem uma parte mínima das suas terras em pousio. Foi também proposta a prorrogação da suspensão de direitos de importação sobre os produtos agrícolas ucranianos por mais um ano, mas desta vez foi introduzido também um “travão de emergência” para produtos mais sensíveis à economia da UE — aves de aviário, ovos e açúcar —, permitindo a aplicação de tarifas aduaneiras, se as importações excederem os níveis médios de 2022 e 2023. A proposta terá ainda de ser aprovada pelos governos da UE e pelo Parlamento Europeu.
Esta quinta-feira, as atenções estão viradas para o Conselho Europeu, onde a ajuda à Ucrânia está no centro das atenções. A crise dos agricultores não está oficialmente na ordem de trabalhos dos governantes europeus, mas espera-se que seja discutida pelo menos à margem.
Os protestos em toda a Europa decorrem na contagem decrescente para as eleições para o Parlamento Europeu, em Junho, nas quais a extrema-direita, para quem os agricultores representam um eleitorado crescente, está a ganhar terreno.
A nível do comércio internacional, além das importações da Ucrânia, também as novas negociações para concluir o acordo comercial da UE com o Mercosul, o bloco de países da América do Sul, têm alimentado o descontentamento dos agricultores em relação ao que consideram ser concorrência desleal. Perante a insurreição dos agricultores, o Presidente francês, Emmanuel Macron, já veio mesmo avisar a Comissão Europeia de que seria melhor “suspender” as negociações em curso, uma vez que a França não assinará o acordo.
Caderno de encargos europeu
Os agricultores franceses já conseguiram respostas a nível nacional, incluindo o facto de o Governo ter abandonado o plano de reduzir gradualmente os subsídios ao gasóleo agrícola. Noutro passo para tentar acalmar a indignação dos agricultores, o Ministério da Agricultura anunciou 230 milhões de euros de ajuda adicional aos produtores de vinho franceses.
Esta quarta-feira, o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, prometeu que iria reforçar os controlos sobre os grandes retalhistas franceses e europeus para garantir que os agricultores franceses são pagos de forma justa, ao abrigo de uma lei destinada a salvaguardar os preços à saída da exploração.
Agricultores de toda a União Europeia, por seu lado, já anunciaram que se juntariam aos protestos em Bruxelas para exigir respostas aos dirigentes europeus. A Confederação Nacional de Agricultores Independentes (Coldiretti), a maior associação italiana de agricultores, afirma que mais de mil dos seus membros se deslocariam a Bruxelas para participar numa manifestação na quinta-feira, em frente ao Parlamento Europeu. Agricultores alemães e romenos com queixas semelhantes também estão a mobilizar-se.
Em Portugal, organizações como a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e a Confederação Nacional de Agricultores (CNA) anunciaram que estão a organizar-se para mobilizar o sector. Como refere a CNA, em comunicado, “os actuais protestos dos agricultores que ecoam por toda a Europa têm contextos e realidades diferentes, mas em todos eles existe um ponto comum: o rendimento dos agricultores, o dinheiro que no final da campanha fica para os agricultores poderem sobreviver”. “A realidade é só uma”, concluem: “Mesmo contabilizando as ajudas, a asfixia financeira da grande maioria dos agricultores, principalmente os pequenos e médios, é permanente e brutal, agravada pela ‘ditadura’ da grande distribuição e pelos apoios que os governos lhe dedicam.”
Tentativa de bloqueio do porto de Antuérpia
Na Bélgica, os agricultores bloquearam, pelo segundo dia, as estradas de acesso ao porto de contentores de Zeebrugge. Um organizador do protesto afirmou à Reuters que mais de cem tractores estavam a participar no bloqueio.
Um porta-voz do porto de Antuérpia-Bruges disse que os agricultores também começaram a bloquear a entrada e saída de camiões no porto de Antuérpia, o segundo maior porto da Europa. De acordo com a agência de notícias, uma das principais auto-estradas da Bélgica foi igualmente bloqueada.
“Se continuarmos assim, o fim da agricultura significará o fim da civilização”, disse à Reuters outro agricultor belga, Adelin Desmecht, atribuindo a culpa ao excesso de regulamentação e burocracia.
Também em Itália, nos últimos dias, os agricultores bloquearam o tráfego com centenas de tractores junto aos pontos de acesso às auto-estradas perto de Milão, na Toscana e noutros locais.