Foram numerosos os elogios e as críticas sobre um cartaz que, no fim do dia, tinha dois objetivos: fazer rir com base na atualidade e incitar à compra de uma estante. A publicidade foi um sucesso tal que acabámos todos às turras. Acho que não percebemos a ideia.
Houve um grupo de pessoas que ficou prontamente ressabiado com a campanha pelo conteúdo a que vai beber inspiração. Para elas, tudo é uma forma encapotada de campanha, com segundas intenções no xadrez da conspiração. Para mim, mostra perfeitamente que a habilidade de saber encaixar o humor está cada vez mais dependente de um manual de instruções.
Este amuo perante estas campanhas mais interventivas informa as empresas de que queremos que se tornem numa parede apática e amoral. Que sejam meros logótipos com jingles fofinhos que cospem produtos e emitem publicidade fútil, que ignoramos nas ruas ou passamos à frente assim que batem os cinco segundos obrigatórios do Youtube. Queremos uma economia e mundo mais centrados nas pessoas e nas suas vidas, mas procuramos destruir as pequenas ações que caminham no sentido dessa aproximação, por exemplo, através de um ato tão humano e comum como gozar com o "tema do dia", como aquela publicidade fez.
Tudo passou a ser um motivo para polarizar pessoas e para construir rancor. A dado ponto, a conversa já não era sobre a publicidade, sobre a estante, ou sobre se se deve mencionar política e casos judiciais em campanhas publicitárias. Era sobre o fundador que já morreu e era nazi.
No momento em que um anúncio leva a que indivíduos se dêem ao trabalho de tirar horas do seu dia para ir desenterrar o passado e tentar arranjar argumentos para mandar abaixo a reputação da empresa ou da pessoa que produz a ação publicitária (lembre-se que tudo isto foi por causa de um anúncio a uma estante), está na altura de largar o teclado e ir beber um chá de camomila.
O que aconteceu com este anúncio é a prova viva de que estamos mais preocupados em ofender-nos do que em aproveitar as escassas oportunidades que o dia-a-dia nos dá para soltar uma gargalhada ou de levar a coisa na desportiva sem ir buscar tochas e forquilhas. Saber que nem tudo é uma batalha ideológica que deve ser travada até à última consequência é um produto com rotura de stock, em especial no catálogo online.
O ato de rir é uma parte fundamental da existência humana e parece cada vez mais condicionado por uma sociedade que não hesita em sufocar estes momentos. Cada vez menos é possível achar piada a algo sem que haja alguém com necessidade de vir estragar a festa só porque discorda. Uma sociedade que não sabe rir (ou estando em discordância, ignorar) pequenos atos de inocuidade humorística, de apreciar o ridículo, cada vez mais é puxada pelos sisudos extremos que nos impelem a vivermos perpetuamente zangados e ofendidos com quem se riu do lado de lá.