São as grandes empresas da indústria da carne e do leite que controlam marcas vegan

Muitas marcas que oferecem alternativas à base de plantas, de produção sustentável, são, na verdade, detidas por gigantes da carne e do leite, associadas a destruição ambiental de grande escala.

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São as grandes empresas da indústria da carne e do leite que controlam marcas veganas Unsplash/ LikeMeat
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“Vota por um planeta mais verde, por menos despesas com alimentação, mais saúde e por bondade para com os animais. E nem tens de esperar pelas eleições”, afirma a campanha global do Veganuary, que incentiva as pessoas a comer menos carne durante o mês de Janeiro.

Transformar o sistema alimentar mundial através da redução de produção de carne a larga escala é essencial se quisermos preservar os ecossistemas do planeta. Mas não acredito que a solução do Veganuary seja a forma certa para fazer isso.

Ter uma alimentação 100% vegetal pode parecer empoderador, mas coloca uma pressão irrealista nos consumidores para que levem a cabo uma mudança para alimentos de base vegetal. Ao não conseguirem chamar a atenção para o poder das empresas que, com o apoio dos estados, fazem parte do núcleo da indústria alimentar, o Veganuary retira o poder a quem o segue.

Em colaboração com Charis Davis, estudante de mestrado em Estudos do Desenvolvimento na Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, investiguei a estrutura accionista e estratégias de marketing de várias empresas de alimentos à base de plantas. E descobrimos que muitas marcas que são elogiadas por oferecerem alternativas à base de plantas, de produção sustentável, são, na verdade, detidas por gigantes da carne e do leite, associadas a alegações de destruição ambiental de grande escala.

Por exemplo, a Vivera, pioneira na alimentação à base de plantas. Esta empresa holandesa produz uma grande variedade de comida vegetariana e vegana, como salsichas, filetes de "salmão" ou tiras Tex Mex e bifes veganos. O site da Vivera sugere que os consumidores deviam comprar os produtos vegan porque “faz uma diferença enorme na saúde humana e no bem-estar do planeta” e afirma que “se pode melhorar o mundo com cada dentada ao escolher comida à base de vegetais”.

Contudo, o marketing online da Vivera e as embalagens dos produtos não dizem aos consumidores que é detida pela JBS, a maior produtora de carne do mundo. Todos os dias, a operação global da JBS mata 8,7 milhões de aves, 92600 porcos e 42700 cabeças de gado, de acordo com o Instituto de Políticas de Agricultura e Comércio, think-tank norte-americano.

A compra da Vivera pela JBS, em 2021, não significou um afastamento do negócio da carne. Pouco depois de terem comprado a empresa de produtos à base de plantas anunciaram planos para investir 130 milhões de dólares em duas fábricas de processamento de carne, para aumentar a capacidade de abate de gado para cerca de 300 mil por ano. A JBS é a maior compradora de gado da Amazónia e, por isso, uma das maiores contribuidoras para a desflorestação.

Outro exemplo é a Alpro. Esta fabricante de alternativas veganas aos lacticínios foi comprada pela Danone em 2017, como resposta à crescente popularidade das alternativas ao leite. Mas a linguagem do site da Alpro, por exemplo, “fazer a tua parte com cada dentada ou gole”, parece contrariar as afirmações da Danone, marca líder em todo o mundo na área de lacticínios frescos.

O leite de vaca gera três vezes mais emissões de gases de efeito estufa, usa dez vezes mais terra e duas vezes mais água do que as alternativas à base de plantas, de acordo com os cálculos do site Our World in Data.

A Danone está a expandir-se para o mercado dos produtos à base de plantas, mas não quer dizer que esteja a retirar-se do núcleo dos lacticínios. Como refere uma newsletter da industria alimentar: “A empresa (…) está a querer promover de forma cruzada os seus produtos à base de plantas e as bebidas lácteas convencionais junto dos agregados familiares onde as pessoas se interessam por ambas as categorias.”

Ambos os casos são exemplos de uma tendência maior onde os conglomerados gigantes da carne e dos lacticínios, o que inclui a JBS e a Danone, estão a comprar empresas mais pequenas dedicadas aos produtos à base de plantas como parte das estratégias de expansão corporativa, de acordo com um relatório de 2022 da IPES-Food, coligação de especialistas no sistema alimentar.

Actualmente, os produtores de carne e de lacticínios estão a ser apoiados por grandes subsídios estatais. Na União Europeia e nos EUA, os criadores de gado recebem cerca de 1000 vezes mais subsídios do que os produtores de proteína de origem vegetal e carne feita em laboratório.

Contudo, a posição apolítica do Veganuary ignora o apoio que as indústrias da carne e do leite recebem dos governos de países ricos. Numa altura em que o planeta precisa desesperadamente de se afastar da produção e consumo de carne, as megacorporações da área alimentar não vão, provavelmente, ser quem vai liderar a transição para um planeta mais verde.

Como apoiar a produção de alimentos à base de plantas

Uma mudança significativa iria exigir pelo menos três coisas dos Governos. Em primeiro lugar, que começassem a impor multas pesadas e a confiscar a terra das corporações que prejudicam o ambiente através da produção de carne e leite. Em segundo lugar, os Governos deviam começar a reorientar os subsídios para a produção de comida à base de plantas, em vez de servirem para apoiar a produção agro-industrial de carne. Em terceiro lugar, deviam alargar os apoios do estado social para ajudar os consumidores com menos recursos a comprar produtos à base de plantas.

Estas apostas podem parecer rebuscadas, mas no contexto de uma ameaça existencial de colapso climático, são indiscutivelmente bastante moderadas. No entanto, o sucesso requer uma liderança política forte, algo que tem sido posto de lado pela posição de celebração do poder do consumidor da Veganuary.

Precisamos urgentemente de canalizar a consciência pública cada vez maior que existe sobre os danos ambientais causados pelo actual sistema alimentar, através do voto e dos movimentos sociais de grande escala, numa força política que abra caminho para dietas mais amigas do clima.


Exclusivo P3/ The Conversation
Benjamin Selwyn é professor de Relações Internacionais e Desenvolvimento Internacional no Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Sussex

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