“O nosso fim será a vossa fome”: agricultores bloqueiam entradas de Paris

Bloqueio das principais vias de entrada de Paris começou esta tarde. Classe teme perder competitividade e está contra medidas da União Europeia. Mal-estar alarga-se a vários países europeus.

Bloqueio da A16, a cerca de 100 quilómetros de Paris
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Bloqueio da A16, a cerca de cem quilómetros de Paris STEPHANIE LECOCQ/Reuters
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Agricultores caminham entre tractores, na auto-estrada A15, em Argenteuil, a norte de Paris YOAN VALAT/EPA
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Tractores e outros veículos em fila na A1, em Chennevieres-les-Louvres, perto de Paris BENOIT TESSIER/Reuters
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"Paris, estamos a chegar", lê-se na mensagem colocada num tractor estacionado na A15 YOAN VALAT/Reuters
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Uma fila de tractores a caminho de Paris STEPHANIE LECOCQ/Reuters
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Começaram na tarde desta segunda-feira os bloqueios à volta de Paris programados pelos agricultores franceses. Desde manhã que o sector estava em marcha, com os seus tractores e camiões, para fechar as principais vias ao redor da capital. A classe está em protesto contra medidas nacionais e da União Europeia que dizem que vão tornar a produção nacional insustentável e não competitiva. Apesar do dispositivo policial, os agricultores prometem manter o bloqueio durante vários dias se as suas exigências não forem aceites.

“O que percebemos é que, enquanto os protestos ocorrerem longe de Paris, a mensagem não vai passar”, disse Arnaud Rousseau, que lidera a Frente Nacional dos Sindicatos de Exploração Agrícola, um dos principais sindicatos do sector agrícola francês, à rádio RTL, citado pela agência Reuters. Nesta segunda-feira, o objectivo era que oito auto-estradas à volta de Paris ficassem bloqueadas a partir das 14h locais (13h em Lisboa), a cerca de 30 quilómetros de distância do centro da capital francesa. Haverá cerca de 800 tractores no concelho regional da Île de France para os bloqueios, de acordo com a comunicação social.

Nos últimos dias, os agricultores têm vindo a bloquear estradas em várias regiões de França, alimentando uma crise que obrigou o Governo francês a responder. O Presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou nesta segunda-feira uma reunião no Palácio do Eliseu ao início da tarde, com o primeiro-ministro, Gabriel Attal, e vários ministros, para fazer “uma actualização da situação da agricultura”, cita o jornal francês Le Monde. Mais tarde, às 17h (hora de Lisboa), Gabriel Attal reuniu-se com os representantes dos sindicatos agrícolas: Arnaud Rousseau e Clément Torpier, agricultor e presidente da associação Jovens Agricultores, de Île de France, em Matignon, na residência oficial do primeiro-ministro, em Paris. A reunião durou mais de três horas.

Há já pelo menos quatro auto-estradas bloqueadas a poucas dezenas de quilómetros de Paris, de acordo com o Le Monde. A A4 foi uma das primeiras. Um pouco antes das 13h (hora de Lisboa), cerca de 30 tractores obstruíram aquela auto-estrada perto de Jossigny, no departamento de Seine-et-Marne, a 30 quilómetros a leste de Paris. “A ideia é aguentar até os anúncios do Governo responderem às exigências do mundo agrícola”, diz Clément Torpier, citado pelo jornal francês. Estão a ser carregados geradores, casas de banho e braseiros, o que vai permitir que o bloqueio dure três dias naquele ponto. Outra auto-estrada que já foi bloqueada foi a A13, a cerca de 60 quilómetros a oeste de Paris.

Durante a manhã, perto de Beauvais, a cerca de 100 quilómetros a norte de Paris, os tractores já tinham bloqueado a A16. Na lâmina niveladora de um dos tractores lia-se a seguinte mensagem: “O nosso fim será a vossa fome.”

Num contexto europeu difícil, em que a guerra na Ucrânia veio desestabilizar o mercado dos alimentos, os agricultores temem perder a competitividade. Entre as medidas que defendem está o fim aos cortes nos subsídios que apoiam a compra de gasóleo, a reversão da medida de reservar 4% da terra agrícola para ficar em pousio, uma política da União Europeia que surgiu no contexto do Pacto Verde, e impedir o aumento de constrangimentos no uso de agro-químicos.

Na sexta-feira passada, o Governo francês tinha acolhido algumas das exigências dos agricultores. Por um lado, deixou cair os planos para reduzir gradualmente os subsídios ao gasóleo para a agricultura e tornou a regulação ambiental menos pesada. Do encontro entre Presidente e ministros, nesta segunda-feira, saiu o compromisso de que aquelas medidas iam entrar em funcionamento já nesta terça-feira. Mas o remédio anunciado não era suficiente para o sector agrícola. “Neste momento, o que queremos é aumentar a pressão”, disse Arnaud Rousseau, citado pela Reuters. “Para que rapidamente possamos encontrar uma solução para sair desta crise.”

Na quinta-feira, Macron vai estar na cimeira de líderes da União Europeia (UE) para pressionar por políticas que estimulem a agricultura, de acordo com o ministro da Agricultura francês, Marc Fesnau. Soube-se também nesta segunda-feira que o Presidente francês vai se reunir na quinta-feira com Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (CE), para discutir sobre o problema na França. A CE está a tentar alterar a regulamentação sobre as áreas de pousio para responder às exigências dos agricultores, adiantaram duas fontes oficiais à Reuters.

Mal-estar europeu

Os protestos em França fazem parte de um mal-estar que abarca o sector noutros países europeus. Os agricultores belgas também decidiram manifestar-se nesta segunda-feira. Na via circular à volta de Bruxelas, o trânsito parou devido à acção de “agricultores furiosos”, noticiou a Reuters. Além de levarem doze tractores para a praça de Meeûs, perto das instituições da UE, os agricultores pararam cinco camiões que traziam vegetais de Espanha e despejaram o conteúdo perto do centro de distribuição do grupo de retalho Colruyt, junto a Bruxelas.

Também na Alemanha, na Polónia, na Hungria e na Roménia tem havido protestos por parte do sector. Na Alemanha, numa reacção semelhante à da França, os agricultores não quiseram passar a ter de pagar impostos sobre o gasóleo para a agricultura.

Já nos três países mais a leste, a invasão da Rússia à Ucrânia, em Fevereiro de 2022, fez com que a UE tenha levantado temporariamente as restrições às importações vindas da Ucrânia, o que fez com que o mercado europeu recebesse produção agrícola muito mais barata.

“Uma quinta orgânica ucraniana tem cerca de mil hectares; o equivalente europeu tem em média 41 hectares”, comparou a BBC News, num artigo recente sobre o nível de descontentamento do sector agrícola na Europa. O site britânico explicava ainda que os preços de certos alimentos nos países adjacentes caíram muito, dificultando a vida aos agricultores locais, que não conseguiram vender as suas produções: “Na Primavera de 2023, os tractores estavam a bloquear as mesmas estradas da Polónia que, um ano antes, estavam preenchidas por voluntários a dar as boas-vindas aos refugiados ucranianos.”