UNRWA tem verbas suficientes para apenas um mês de ajuda a Gaza
Secretário-geral da ONU apela a países a que revertam a decisão de suspender a ajuda. Chefe da agência lamenta “mais este castigo colectivo” sobre a população palestiniana.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou aos países que anunciaram a suspensão de financiamento à agência da ONU de apoio aos refugiados palestinianos que a revertam, com o responsável da UNRWA, Philippe Lazzarini, a dizer que esta suspensão significa “mais um castigo colectivo para os palestinianos”.
A suspensão de verbas dos dois maiores dadores da agência – EUA e Alemanha – e ainda do Canadá, Reino Unido, Itália, Finlândia e Países Baixos (França disse este domingo que não transferiria ainda a verba para 2024) ocorre depois de Israel transmitir à ONU informações sobre um alegado envolvimento directo de funcionários da UNRWA no ataque de 7 de Outubro contra Israel levado a cabo pelo Hamas.
Guterres, que já tinha afirmado que estava “horrorizado” com a alegação, sublinhou que dois milhões de civis em Gaza dependem da assistência da UNRWA “para a sobrevivência diária”, mas o financiamento actual da agência nem permitirá fazer face a todas as necessidades até ao final de Fevereiro.
O antigo porta-voz Chris Gunness também declarou que as verbas seriam suficientes apenas para mais algumas semanas de ajuda, e o porta-voz em Gaza, Adnan Abu Hasna, disse que esperava que a ajuda acabasse dentro de cerca de um mês.
As autoridades israelitas – que há anos acusam a UNRWA em Gaza de proximidade do Hamas, que guardaria stocks de armas nas suas instalações, por exemplo, acusam – não deram, neste caso, quaisquer pormenores sobre as acusações.
Alguns media israelitas e americanos citavam fontes israelitas sob anonimato dizendo que se tratava de informação do Exército e da espionagem interna de Israel apontando para participação activa dos funcionários da UNRWA no ataque contra Israel, incluindo a utilização de veículos da agência e de algumas instalações. Uma parte da informação viria de interrogatórios a combatentes do Hamas detidos pelas forças israelitas a 7 de Outubro.
As Nações Unidas anunciaram de imediato uma investigação, e este domingo confirmaram a informação americana de que as suspeitas recaem sobre 12 funcionários (a agência tem um staff de 13 mil pessoas na Faixa de Gaza num total de 30 mil, contando ainda com presença em Jerusalém Oriental, Cisjordânia, Jordânia, Síria e Líbano), indicando ainda que um deles morreu (mais de cem funcionários da UNRWA morreram nos ataques de Israel desde 7 de Outubro) e as identidades de outros dois estão ainda a ser determinadas.
Os restantes nove foram despedidos e Guterres disse que podem ser alvo de um processo criminal, algo que, explica a agência Reuters, é raro nas organizações das Nações Unidas, em que a maioria do pessoal tem imunidade (que pode ser retirada por determinação do secretário-geral).
“Os palestinianos em Gaza não precisavam de mais este castigo colectivo”, declarou, por seu lado, o comissário geral da UNRWA, Phillippe Lazzarini, dizendo-se “chocado” com o facto de a decisão de suspensão ter sido “tomada com base no alegado comportamento de uns poucos indivíduos e quando a guerra continua, as necessidades estão a aumentar e há uma ameaça de fome catastrófica”.
O ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Israel Katz, repetiu, na rede social X, um pedido de demissão de Lazzarini. Katz afirmou, na véspera, que Israel quer ver a agência afastada de Gaza no pós-guerra.
Apelo a países árabes
O porta-voz da agência na Faixa de Gaza disse à Rádio Nazaré que os efeitos vão sentir-se não só em Gaza, mas também na Cisjordânia e nos outros países em que a agência está presente.
O antigo porta-voz da UNRWA Chris Gunness apelou aos países árabes, em especial aos do Golfo, para colmatar as suspensões anunciadas dos maiores dadores da agência. “Porque têm lucros de milhões com as receitas do petróleo. Uma parte minúscula dessas receitas faria com que os problemas da UNRWA desaparecessem de um dia para o outro”, declarou.
Gunness lamentou ainda o que considerou ser “um ataque político coordenado” contra a UNRWA.
Se a UNRWA deixar de conseguir operar na Faixa de Gaza, Israel será chamado, como potência ocupante (já que controla as fronteiras terrestres, navais, e espaço aéreo), a responsabilizar-se pela assistência.
Na sexta-feira, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) impôs medidas preventivas a Israel no âmbito do processo da África do Sul sob a Convenção do Genocídio, incluindo o restabelecimento de serviços básicos e a entrada de ajuda humanitária (o território está sem fornecimento de electricidade e ainda com grandes dificuldades no acesso a água, além da grande dificuldade das pessoas em se alimentarem, com 80% das pessoas que estão em situação de fome grave em todo o mundo a estarem actualmente na Faixa de Gaza devido à falta de ajuda).