Câmara de Lisboa impede manifestação de extrema-direita. Há “elevado risco”, diz PSP

Polícia considerou evento como tendo “elevado risco de perturbação grave e efectiva da ordem pública” e admitiu a mudança de percurso, mas sem propor alternativa – isso era tarefa da autarquia.

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De acordo com a lei, só a Câmara de Lisboa tem poder para autorizar ou proibir manifestações. Daniel Rocha
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A Câmara Municipal de Lisboa decidiu "não autorizar" a realização da manifestação de extrema-direita "Contra a islamização da Europa" prevista para a zona do Intendente, em Lisboa, no dia 3 de Fevereiro. A autarquia, a única entidade com poder para decidir sobre o assunto, justifica a decisão com o facto de o parecer da PSP ser "claro" ao "salientar um elevado risco de perturbação grave e efectiva da ordem e da tranquilidade públicas", respondeu ao PÚBLICO fonte oficial do município lisboeta.

Além de fazer essa classificação de "elevado risco", o parecer da PSP enviado na tarde desta sexta-feira ao gabinete de Carlos Moedas recomendava a alteração do percurso para que não se desenvolvesse numa área predominantemente habitada por cidadãos imigrantes, evitando-se assim um possível confronto directo entre manifestantes e os alvos da sua contestação. Mas não era apresentada qualquer alternativa, já que isso compete à autarquia e, em especial, ao presidente da Câmara, Carlos Moedas, que é quem tem competência única e directa sobre o assunto.

A marcha "Contra a islamização da Europa", organizada por grupos ligados à extrema-direita e marcada para as 18h do dia 3 de Fevereiro, desenrolava-se no Intendente e Martim Moniz, com grande concentração de habitantes e estabelecimentos comerciais de imigrantes, e até alguns locais de culto religioso. A página Racismo contra Europeus no X (ex-Twitter) alegava que são as "ruas com mais imigrantes do país, sobretudo de origem islâmica", e que estas comunidades "têm de sentir que não são bem-vindas". Um tipo de discurso que, por si só, demonstra o elevado nível de risco do evento.

De acordo com a organização, a marcha teria início no chafariz do Intendente, seguia pela Rua do Benformoso (uma artéria muito estreita), Rua Fernandes da Fonseca (área norte do Martim Moniz), Rua da Palma (onde se situa a sede do Bloco de Esquerda) e regressava ao chafariz do Intendente.

A manifestação foi censurada por diversos sectores, nomeadamente de colectivos anti-racistas e de apoio aos imigrantes, mas também da ministra dos Assuntos Parlamentares, que tem a pasta da igualdade e migrações​. A Câmara de Lisboa aprovou um voto de condenação do evento, uma carta aberta apelou à sua proibição, e o movimento SOS Racismo fez uma queixa-crime no Ministério Público.

Ao PÚBLICO, dois constitucionalistas defenderam que as regras constitucionais não permitem a proibição de uma manifestação, mesmo que ela tenha por base uma ideologia racista, xenófoba ou fascista, ainda que a Constituição proíba a existência de "organizações racistas ou que perfilhem a ideologia racista". Tanto Jorge Bacelar Gouveia como Vitalino Canas recusam a aplicação, "por analogia", do princípio sobre organizações às manifestações.

"O direito à manifestação não está limitado pelo conteúdo, mensagem, tema ou opiniões que ali se expressem. Não há limitação constitucional à razão por que é feita", aponta Vitalino Canas. O limite é "a forma", ou seja, se alguém cometer um crime como usar cartazes incitando ao ódio, à violência ou à discriminação contra uma raça ou uma religião, essa pessoa pode ser proibida de se manifestar e ser detida. Mas isso só in loco, ou seja, no momento da manifestação, e não se pode proibir uma marcha por se pensar que isso pode acontecer. "Até pode ser uma manifestação silenciosa ou com cartazes, mas que não incitem a um crime", insiste Vitalino Canas.

Jorge Bacelar Gouveia reforça que a Constituição garante a liberdade de reunião e de manifestação e "não impõe limites ao conteúdo da mensagem" porque isso seria uma violação de outra liberdade, a de expressão. O texto constitucional só impõe limites à forma: tem que ser uma manifestação "pacífica e sem armas". Porém, "a avaliação sobre se é uma marcha pacífica ou não só se pode fazer depois de começar".

É o decreto-lei de 1974 ainda em vigor que regula o direito de reunião que admite que se impeçam manifestações com fins contrários "à ordem e à tranquilidade públicas" – que também permite que se impeçam eventos dessa natureza "em lugares públicos situados a menos de 100 m[etros] das sedes dos órgãos de soberania (...) das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos" - como seria o caso do Bloco, na Rua da Palma.

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