Crise climática: 2024 começa mal, com o calor de Janeiro

A Península Ibérica é um dos pontos quentes do mapa da Terra, mas um pouco por todo o lado há recordes de temperaturas máximas.

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Anomalia da temperatura na Europa a 26 de Janeiro comparando com o período entre 1981 e 2010 Tropical Tidbits
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Não é comum vermos em Janeiro na Europa pessoas de T-shirt nas esplanadas e cafés, mas provavelmente terá visto algo semelhante esta semana que trouxe uma Primavera precoce ao nosso Inverno. As temperaturas primaveris na Península Ibérica, mais especificamente, reforçam as preocupações sobre as alterações climáticas, a ameaça de novas ondas de calor e a quebra de mais recordes em 2024.

Em Portugal, o ar aqueceu mais no distrito central de Leiria, atingindo 23 graus Celsius. As previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) apontam para uma temperatura máxima de 24 graus Celsius para este distrito esta sexta-feira.

No Norte, as temperaturas estiveram 8 a 9 graus Celsius acima da média, com a previsão das máximas desta sexta-feira entre os 12 graus em Vila Real (a máxima mais baixa em todo o território nacional) e os 21 em Braga.

“Acho que é por causa das alterações climáticas”, disse à Reuters a turista francesa Jane Dubois, junto ao rio Tejo, em Lisboa. É o nosso futuro, por isso temos de proteger o planeta. Fabio Silvestre, de visita a Lisboa com a sua filha pequena, proveniente de Itália, também se mostrou preocupado com o clima: Estou um pouco preocupado com a minha filha... O tempo não está normal assim.

O início do mês contou, no entanto, com temperaturas baixas, adequadas à estação do ano, com a chegada de uma massa de ar polar vinda de leste. Mas aí nada de estranho. Aliás, questionados sobre quão anormal estava a ser o frio no início do mês Janeiro, os especialistas respondiam em uníssono: anormal é o calor dos meses de Janeiro nos anos anteriores. Agora, mesmo com algumas máximas primaveris, o IPMA avisa que se espera um acentuado arrefecimento nocturno. Não dispense o casaco.

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Pessoas numa esplanada durante uma tarde de Inverno quente no Parque Ciutadella, em Barcelona, Espanha, a 25 de Janeiro de 2024 Marc Asensio/GettyImages

Em Espanha, numa esplanada...

Em Espanha, o serviço de meteorologia prevê que as temperaturas atinjam esta sexta-feira 28 graus Celsius na região mediterrânica de Múrcia e 24 e 26 graus Celsius na maior parte da Andaluzia, no Sul de Espanha, com muitas outras partes do país a subirem até aos 20 graus Celsius – até 10 graus acima dos níveis normais para a época do ano em alguns locais.

Estamos um pouco surpreendidos por estar tão agradavelmente quente... E é bom para nós agora, mas não achamos que seja completamente normal, disse à Reuters o turista alemão Thorsten Petersen, 66 anos, no centro de Madrid. Adela, uma reformada local, acrescentou: Aqueles que dizem que não há alterações climáticas só têm de olhar para o que está a acontecer: ou está muito frio ou muito calor. Penso que isto é uma catástrofe. Nas ruas de Madrid, refere a Reuters, era provável cruzarmo-nos com pessoas a despir os casacos de Inverno e algumas de calções e T-shirts.

Mas o calor anormal não está circunscrito à Península Ibérica. O mês de Janeiro já caminha para um primeiro recorde a assinalar em 2024. Os recordes de temperatura estão a cair em quase todos os continentes e podem pôr 2024 a caminho de desafiar o calor excepcional de 2023. A temperatura média global está no seu nível mais elevado de que há registo para o final de Janeiro.

Em Junho de 2023, Samantha Burgess, vice-directora do Serviço de Alterações Climáticas do Programa Copérnico (C3S, na sigla em inglês) da União Europeia avisava, em declarações ao PÚBLICO, que o fenómeno climático El Niño traria na bagagem a promessa de um 2024 muito mais quente e húmido em Portugal, com forte probabilidade de novos recordes de temperatura. Estamos a entrar “num território desconhecido” e “este El Niño será mais forte do que vimos no passado”, previu.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica afirmou que existe uma hipótese em três de 2024 ser mais quente do que 2023 e uma hipótese de 99% de 2024 estar entre os cinco anos mais quentes. Recentemente, os cientistas também já alertaram para o risco de a temperatura média global deste ano poder eclipsar a referência crítica do aquecimento climático de 1,5 graus Celsius (2,7 graus Fahrenheit) acima dos níveis pré-industriais.

No passado dia 12 de Janeiro, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou também que o ano de 2024 pode bater o recorde de calor ocorrido em 2023 devido ao fenómeno El Niño. Segundo a OMM, agência da ONU, a tendência de aquecimento do planeta, impulsionada pelo fenómeno El Niño, que levou em 2023 a temperatura do ar a bater recordes todos os meses entre Junho e Dezembro, deverá continuar em 2024.

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Uma árvore de grande porte é derrubada por ventos fortes em 26 de Janeiro de 2024 em Townsville, Austrália. Foi emitido um alerta por causa do ciclone tropical Kirrily Ian Hitchcock / GettyImages

Uma Terra quente

Num artigo no The Washington Post refere-se que o calor excepcional 20 a 30 graus acima do normal em alguns locais estende-se até ao Sul da Austrália e da África do Sul e até ao Norte da Ásia. O calor está a ser provocado por uma combinação de factores meteorológicos e climáticos, incluindo o El Niño. O historiador meteorológico Maximiliano Herrera, cita a mesma notícia, documentou os recordes de temperatura registados nos últimos dias, descrevendo o calor no X, antigo Twitter, como excepcional, implacável, insano e interminável.

Sobre os recordes mais recentes o artigo apresenta uma extensa lista que resumimos aqui. Assim, começando na Europa Ocidental, os recordes diários incluíram 23,3 graus Celsius em Collobrières, França; 23,2 em Cuenca, Espanha, 17,9 em Imst, Áustria; e 16,4 em Piotta, Suíça. Les Salines atingiu pelo menos 20,5 graus Celsius, um novo recorde de Janeiro para o condado de Andorra. Relembramos que estamos em pleno Inverno no hemisfério norte.

Um pouco mais longe, na Austrália, as temperaturas máximas aproximaram-se dos 49 graus em partes da Austrália do Sul e de Queensland na quarta-feira. Porém, aqui, a principal preocupação actualmente não é o calor.

Dezenas de milhares de pessoas no estado australiano de Queensland ficaram sem electricidade esta sexta-feira, depois de um ciclone tropical ter atingido a região durante a noite, trazendo ventos nocivos e chuvas fortes. O ciclone tropical Kirrily, um sistema de categoria dois, atingiu a costa da Grande Barreira de Coral na quinta-feira, perto da cidade turística de Townsville, antes de perder força e baixar de categoria esta sexta-feira.

A 18 de Janeiro, o calor extremo no Rio de Janeiro atingiu o recorde do ano, com quase 60 graus Celsius de sensação térmica nesta quarta-feira. A marca de 59,5 graus Celsius foi registada às 11h45 (hora local), na estação de Guaratiba, zona oeste da cidade brasileira. Na América do Sul, Trelew, na Argentina, teve o dia mais quente já registado, com uma máxima de 42,6, e Talca, no Chile, bateu seu recorde histórico na segunda-feira com uma máxima de 38,8 Celsius.

Em África o calor recorde tem assado a região da Libéria ao Congo há já algumas semanas. A temperatura máxima de 39,6 graus Celsius registada na terça-feira em Dimbokro foi o dia de Janeiro mais quente de que há registo na Costa do Marfim. Na África do Sul, Vioolsdrif atingiu os 46,1 Celsius.

Passando para a Ásia: Dawei, em Myanmar, atingiu os 37 graus Celsius na terça-feira, batendo o seu recorde de temperatura mais elevada de Janeiro, enquanto as Maldivas quebraram o mesmo recorde na quarta-feira, com uma temperatura máxima de 33,4 Celsius, em Hanimaadhoo. Na terça-feira, foram estabelecidos cerca de 20 recordes de temperaturas mínimas quentes no Japão.

Em Dezembro de 2023, os cientistas do centro de meteorologia estatal da China avisavam que é provável a ocorrência em 2024 de mais uma série de vagas de calor no país, que, por isso, se devia preparar para um 2024 escaldante.

Por fim, as Caraíbas, o Mediterrâneo e o México também registaram recordes de calor para esta época do ano.

E o que podemos esperar?

Mais calor, muito provavelmente. Os modelos meteorológicos indicam que os períodos de calor persistirão pelo menos durante mais uma semana em muitos locais. Na Europa, espera-se que o calor recorde se expanda para leste, em direcção à Europa Central. Segundo os especialistas, vários factores estão a contribuir para o calor recorde em todo o mundo.

“As flutuações na corrente de jacto podem permitir que as temperaturas quentes subam para norte, para a Europa e para a América do Norte, mesmo durante o Inverno. Esse calor está a ser reforçado por áreas de forte alta pressão nos níveis mais elevados da atmosfera, a que os meteorologistas chamam ‘cúpulas de calor’ no Verão, e que podem ajudar a aumentar as temperaturas para níveis quase recordes em qualquer altura do ano”, refere o artigo do Washington Post.

Outros factores incluem o El Niño em curso e a persistência de águas oceânicas quentes, depois de 2023 ter estabelecido um recorde de calor nos oceanos. Já em Agosto de 2023 surgiram os avisos da agência espacial norte-americana. “Podemos prever que 2024 será ainda mais quente [que 2023]”, afirmou Gavin Schmidt, director do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, adiantando que agência estimava ainda que os maiores impactos do fenómeno climático El Niño seriam sentidos em Fevereiro, Março e Abril de 2024.