Universitários estão a perder a bolsa por viverem com avós e tios (mesmo sem partilhar despesas)
Em causa está a alteração do conceito de agregado familiar no mais recente regulamento para requerer a bolsa. Alunos estão a ser obrigados a devolver o valor que receberam da bolsa.
Há estudantes universitários que estão a perder o direito à bolsa de estudos e a serem obrigados a devolver o valor do apoio que receberam por causa de uma mudança no conceito de agregado familiar. Em causa está a alteração ao regulamento de atribuição dos apoios feita a 24 de Julho de 2023 pela Direcção-Geral de Ensino Superior (DGES) que passou a incluir a palavra “ou” nos critérios de selecção.
No artigo 4.º lê-se que o agregado familiar do estudante, “elemento determinante para a fixação do valor da bolsa base anual, é constituído pelo próprio e pelas seguintes pessoas que com ele vivam em comunhão de mesa, habitação e/ou rendimento”. A inclusão deste “ou” significa que os critérios deixam de ser cumulativos e que basta um para os alunos perderem o apoio, noticia o Jornal de Notícias.
Isto quer dizer que, por exemplo, um estudante que viva com ou sem os pais em casa de avós ou tios deixa de ter direito a bolsa porque todos fazem parte do mesmo agregado familiar. No entanto, na prática, ter a mesma morada fiscal não significa que as despesas são conjuntas.
O P3 contactou a DGES sobre o motivo da alteração, mas não obteve resposta. Até 22 de Janeiro de 2024 foram atribuídas 73.645 bolsas de estudo, segundo dados divulgados pela mesma entidade.
Em declarações ao P3, Renato Daniel, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), que expôs a situação ao JN, adiantou que a associação recebeu cerca de dez queixas de estudantes nesta situação.
A título de exemplo, recordou o caso de um aluno órfão que vive com a avó. Como os rendimentos da avó foram incluídos nos do agregado familiar do jovem, perdeu a bolsa. Em declarações ao Jornal de Notícias, recordou também o caso de uma estudante que, depois do divórcio dos pais, está a viver com a mãe e irmã num anexo da casa dos avós que também integram o mesmo agregado.
Na Universidade do Porto está a acontecer o mesmo, explica ao P3 o presidente da Federação Académica do Porto (FAP). Francisco Porto Fernandes adianta que, até agora, a associação recebeu uma dezena de queixas de jovens que já perderam a bolsa e outros que estão a pedir ajuda para provar, através de recibos, que precisam do apoio.
“Temos um caso que acabou bem porque conseguimos dar resposta a tempo. A estudante vive na nossa residência, a Academia 24, e partilhava morada fiscal com os avós e tios. Ou seja, vivem num prédio em que o número da porta é o mesmo, mas são agregados familiares diferentes. A DGES estava a considerar que era tudo o mesmo”, recorda. Quando fez o pedido de bolsa, a jovem ainda não vivia na residência.
Segundo Francisco Porto Fernandes, as facturas e outros documentos são pedidos pelos serviços de acção social de cada universidade. Os estudantes têm dez dias para provar que precisam da bolsa.
A jovem da Universidade do Porto soube que ia perder a bolsa no início do ano lectivo. É estudante deslocada, está no primeiro ano de universidade e, como vive numa das residências da Universidade do Porto, a perda da bolsa significaria perder também o alojamento. A situação só ficou resolvida em Dezembro de 2023 e, depois de os serviços de acção social terem verificado que existia mais do que um agregado familiar na mesma morada, mantiveram a bolsa.
Alunos têm vergonha de expor situação económica
Os estudantes que eram bolseiros no secundário recebem a bolsa automaticamente. Inicialmente, recebem o valor mínimo determinado consoante os rendimentos de cada família e, depois, é feito um aumento caso seja necessário.
“A intenção legislativa é dar a bolsa automática àquela pessoa porque é quase certo que vai manter a bolsa e está muito bem. O que acontece é que os estudantes também podem pedir bolsas”, explica Francisco Porto Fernandes, acrescentando que têm de apresentar os rendimentos do agregado familiar. É aqui que a situação se complica.
“Imaginemos que uma família de pai, mãe e filho teve de ir viver para casa dos avós do filho porque um deles perdeu o emprego. Os avós até têm uma boa reforma e entram no agregado familiar do estudante. Isto impede que ele receba bolsa”, reforça o presidente da FAP.
Na mesma linha, se o estudante tiver irmãos que trabalhem e vivam na casa dos pais corre o risco de perder o apoio porque os rendimentos do irmão também fazem parte do agregado.“Os estudantes têm vergonha de expor a sua situação económica, e é compreensível. Os casos que nos chegam são testemunhos de associações de estudantes. É um tema sensível e ninguém tem de saber da situação económica de cada pessoa.”
A FAP adianta ainda que vai abordar o tema com os partidos e espera que o novo Governo que se formará depois das eleições legislativas de 10 de Março altere o regulamento de atribuição das bolsas. A Associação Académica de Coimbra diz ter enviado esta quarta-feira, dia 24 de Janeiro, pedidos de audiência a todos os grupos parlamentares, com o mesmo objectivo.