O acender de um rastilho na PSP e GNR

O poder político teve o condão de pôr chefias e polícias de acordo, algo inédito em matéria salarial, e deixar o país em sobressalto, algo impensável até há pouco tempo.

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A decisão de aumentar o suplemento de missão dos inspectores da Polícia Judiciária (PJ) “pelo exercício de funções em condições de risco, insalubridade e penosidade”, no final de Novembro, foi uma decisão inesperada e incauta.

Foi inesperada porque o assunto não foi sequer debatido na praça pública e foi até comunicado de forma discreta. A ministra da Justiça, Catarina Sarmento, esteve dias antes no Parlamento a apresentar o Orçamento do Estado do seu sector para 2024 e não falou deste aumento, depois de em Abril ter sido aprovada uma portaria que actualizou o montante de referência para determinação do valor dos suplementos na PJ, no trabalho de piquete e de prevenção.

E foi tão inesperada que o próprio director nacional da PSP, José Barros Correia, não escondeu a sua surpresa e assumiu que nunca tinha sido informado de tal intenção. O Ministério da Justiça, por seu lado, limitou-se a emitir uma nota, em que omitia, por exemplo, o facto de aquele aumento ter efeitos retroactivos a Janeiro de 2023. Aliás, só há poucos dias se ficou a saber disso, quando, um mês e meio depois, o decreto-lei foi publicado em Diário da República.

Mas a decisão foi, acima de tudo, incauta. O Governo, que aprovou o aumento em Conselho de Ministros, deveria ter tido mais ponderação e prever a contestação inevitável que se seguiria por parte das forças de segurança, que têm sido nos últimos anos incitadas de forma artificial a revoltas e a protestos, como se viu com o Movimento Zero. O Presidente da República, ao promulgar mesmo com avisos, fechou os olhos ao acender de um rastilho que, vê-se pelos protestos que se sucedem pelo país desde o início de Janeiro, não se sabe como pode terminar.

Com esta forma de actuar, o poder político teve o condão de pôr chefias e polícias de acordo, algo inédito em matéria salarial, e deixar o país em sobressalto, algo impensável até há pouco tempo.

Não está em causa, de maneira nenhuma, a justiça ou o merecimento de tal aumento do suplemento para quem trabalha na PJ. Mas quando uma medida por mais justa que seja introduz uma distorção num determinado sector, neste caso das forças de segurança que estão repartidas por duas tutelas governamentais, é inegável que faz nascer novos problemas de equidade que ficam por resolver. Com um período de governo de gestão e depois outro período que pode ser longo para a formação de novo governo, o momento não é o mais aconselhável para que PSP e GNR fiquem num limbo. Não acautelar isso foi uma irresponsabilidade. Prometer uma solução para daqui a seis meses é um risco.

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