Oito anos, duas dissoluções e 37 vetos depois, Marcelo inaugura novo ciclo
Chefe de Estado foi eleito há oito anos, em Janeiro de 2016. “Fechou-se um ciclo da história portuguesa”, admitiu na última visita conjunta ao estrangeiro com António Costa como primeiro-ministro.
Marcelo Rebelo de Sousa completa esta quarta-feira, 24 de Janeiro, oito anos da sua eleição como Presidente da República, num momento de pré-campanha eleitoral e transição para um novo ciclo político, após ter dissolvido o Parlamento pela segunda vez.
Foi a 9 de Novembro que o chefe de Estado anunciou ao país a decisão de dissolver a Assembleia da República, decretada posteriormente, a 15 de Janeiro, e marcar legislativas antecipadas para 10 de Março, na sequência da demissão do primeiro-ministro, António Costa.
O Conselho de Estado dividiu-se quanto à dissolução, que o Presidente assumiu como "decisão própria" e justificou em primeiro lugar com "a natureza do voto nas eleições de 2022, personalizado no primeiro-ministro, com base na sua própria liderança, candidatura, campanha eleitoral e esmagadora vitória". "Fechou-se um ciclo da história portuguesa", decretou, em 16 de Novembro, numa derradeira visita conjunta ao estrangeiro com António Costa como chefe de Governo.
Marcelo Rebelo de Sousa tinha estabelecido como princípio, ao dar posse ao terceiro executivo de António Costa, que a vitória do PS estava vinculada ao respectivo líder e a sua saída deveria, por isso, conduzir a novas eleições. Depois, foi repetindo que não abdicava do poder de dissolução.
Nos primeiros seis anos na chefia do Estado, o antigo líder social-democrata conviveu com uma solução inédita de governação minoritária do PS com apoio dos partidos mais à esquerda no Parlamento: BE, PCP e PEV. Na legislatura que agora se aproxima do fim, viu o PS obter maioria absoluta e a direita reconfigurar-se, com o Chega a tornar-se a terceira força política e a Iniciativa Liberal a quarta, enquanto o CDS-PP ficava sem representação parlamentar.
Sobre o futuro Governo, interrogado em 26 de Novembro sobre se exclui algum partido do quadro governativo ou se todos são elegíveis, respondeu que irá "procurar a fórmula que, no quadro definido pelo povo, seja a mais próxima da sua leitura da vontade popular". Irá, pela terceira vez, nomear um primeiro-ministro, "ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais", conforme estabelece a Constituição.
Na sua mensagem de ano novo, o chefe de Estado considerou que este vai ser "um ano, afinal, ainda mais decisivo" do que 2023, sem falar de estabilidade, e apelou aos portugueses para que estejam "atentos e motivados" para as eleições que aí vêm: "2024 será largamente aquilo que os votantes, em democracia, quiserem." Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que nesta fase, até às legislativas, o Presidente "tem de se apagar".
As primeiras eleições deste ano serão as regionais nos Açores, em 4 de Fevereiro, convocadas depois do chumbo do Orçamento do Governo Regional PSD/CDS-PP/PPM, que mantém um acordo parlamentar com o Chega. O desfecho das eleições nos Açores antecede em cinco semanas as legislativas de 10 de Março. Seguem-se eleições para o Parlamento Europeu, em 9 de Junho.
Trinta e sete vetos políticos, cinco inconstitucionalidades
Desde que foi eleito, em 2016, o actual Presidente da República usou 37 vezes o veto político (sete sobre decretos do Governo e 30 sobre legislação da Assembleia da República) e vetou cinco diplomas por inconstitucionalidades.
O ano de 2023 destaca-se no número de vetos políticos: onze. Só em Dezembro, vetou sete diplomas do Parlamento sobre estatutos de ordens profissionais, que a maioria absoluta do PS entretanto confirmou, em Janeiro deste ano, obrigando à sua promulgação. No último ano, vetou também medidas sobre habitação e o decreto de reprivatização da TAP.
O mais recente veto, anunciado em 13 de Janeiro, fez cair o decreto-lei de regulamentação da lei sobre procriação medicamente assistida (PMA), numa altura em que o Governo está limitado a funções de gestão.
Depois da tomada de posse como chefe de Estado, em 9 de Março de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa demorou quase três anos e meio a enviar um diploma para o Tribunal Constitucional (TC) — precisamente para fiscalização preventiva de alterações à lei sobre PMA e gestação de substituição, que o TC acabou por declarar inconstitucionais.
Fez, até agora, sete pedidos de fiscalização preventiva, dos quais cinco resultaram em inconstitucionalidades declaradas pelo TC e consequentes vetos. Entre eles, dois incidiam sobre a morte medicamente assistida, tendo o Parlamento imposto a promulgação de um novo diploma em Abril de 2023. Foi também declarada inconstitucional legislação sobre cibercrime e conservação de metadados de comunicações electrónicas.
Em Março de 2021, a propósito de uma polémica sobre a chamada lei-travão, Marcelo Rebelo de Sousa expôs os seus critérios de decisão em matéria de promulgação e veto, numa mensagem escrita, explicando que utiliza o que apelidou de "veto correctivo", "convidando a Assembleia da República a aproveitar a sua iniciativa, tornando-a conforme à Constituição".
Mais de 140 deslocações ao estrangeiro
Nos oito anos desde a sua eleição, Marcelo Rebelo de Sousa manteve uma agenda intensa, em território nacional e internacional. Visitou 54 países, num total de 141 deslocações, das quais 19 foram visitas de Estado.
A partir do segundo mandato, iniciado em 2021, houve visitas presidenciais aprovadas pelos deputados da Assembleia da República sem a habitual unanimidade, com abstenções e até votos contra, e contestadas em termos gerais pelo partido Chega.
A que gerou mais controvérsia foi a ida ao Mundial de Futebol do Qatar, em 2022, que teve votos contra de IL, BE, PAN, Livre e de quatro deputados do PS e abstenções do Chega, três deputados do PS e três do PSD.
Os países que o Presidente mais visitou foram Espanha, onde foi 19 vezes, França, onde esteve 15 vezes, e Estados Unidos da América, onde se deslocou uma dezena de vezes, sete das quais à sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. Seguem-se o Brasil, Angola, Cabo Verde, Itália e Reino Unido. O Vaticano foi escolhido por Marcelo Rebelo de Sousa como primeiro destino de cada mandato.
No que respeita a condecorações, já atribuiu mais de 1400 a cidadãos e entidades nacionais, cerca de 750 no primeiro mandato e mais de 600 no segundo, até Dezembro. Os estrangeiros condecorados pelo actual Presidente da República foram mais de 280.
O mais alto grau das ordens honoríficas — o grande-colar — foi para os antigos chefes de Estado Aníbal Cavaco Silva, António Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, para o ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) Vítor Constâncio e, a título póstumo, para José Saramago, Sophia de Mello Breyner e Paula Rego.