Morreu Maria da Graça Carmona e Costa, grande mecenas da arte portuguesa
Com uma vida dedicada à arte contemporânea, a mecenas e coleccionadora deixa um importante legado.
Maria da Graça Carmona e Costa, que foi homenageada em duas exposições em 2023 – no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) e na Fundação Carmona e Costa (FCC) –, morreu esta segunda-feira em Lisboa. Tinha 91 anos. A notícia foi confirmada ao PÚBLICO pelo amigo e curador de muitas das exposições que patrocinou, Manuel Costa Cabral, e também pelo curador e crítico de arte João Pinharanda, director artístico do MAAT, onde ainda está patente Álbum de Família. Colecção Fundação Carmona e Costa.
Dizia-se no meio artístico, e quase em segredo, que estava muito doente há já alguns meses. Embora cada vez mais raramente, ainda a encontrávamos numa inauguração ou no espaço da sua fundação, na Rua Soeiro Pereira Gomes, em Lisboa. Foi uma grande coleccionadora, sempre por gosto, sempre por afecto, como nos contaram os curadores na inauguração das últimas exposições.
Tinha dezenas e dezenas de obras dos artistas de que gostava e terá chegado a comprar exposições inteiras. Toda a vida privou com artistas, e embora o século XXI fosse muito diferente dos tempos em que começou a interessar-se por arte, sabia bem as dificuldades por que tantos deles passaram (e passam). A possibilidade de os ajudar nunca andou longe dos seus motivos para comprar, embora o gosto, que tinha apuradíssimo e muito educado, fosse sempre a razão última que ditava a sua decisão.
Origens de uma colecção
Maria da Graça Dias Coelho Carmona e Costa nasceu em 1932 numa família de posses, mas ao contrário do que seria habitual no seu tempo resolveu trabalhar depois de casar. Começou a comprar arte pouco tempo depois, na transição da década de 50 para a de 60 do século passado. Como a própria recordava ao PÚBLICO em Outubro, contribuía para o orçamento doméstico fazendo comida para fora e, com o dinheiro que ganhava, mais algum que ia poupando nas contas da casa, adquiria obras de arte.
Em 1970, durante o consulado de Marcelo Caetano, o mercado artístico português, apesar de incipiente, conheceu um período de relativa euforia. Foi nessa altura que Dulce d’Agro fundou a Galeria Quadrum, em Alvalade, que se distinguiria por ser a única a apostar em jovens artistas que praticavam uma arte em consonância com os movimentos internacionais mais radicais. Nela iria trabalhar a jovem Maria da Graça, tendo aí permanecido até aos anos 80.
Ao mesmo tempo, inscreveu-se nos cursos livres de História da Arte na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em Lisboa, onde pontificava Rui Mário Gonçalves. A educação artística que aí adquiriu, completada com uma roda de amigos e galeristas que se mantiveram fiéis ao longo dos anos, foi toda a formação de que necessitou. Citam-se, dessa época, Luís Serpa e Mário Teixeira da Silva; mais recentemente, Manuel Costa Cabral, Jorge Martins, o casal Ilda David e Manuel Rosa, a par de artistas mais novos como Miguel Telles da Gama e Inez Teixeira. A todos demonstrou o gosto pela amizade e uma curiosidade em aprender que nunca a abandonou.
Nos anos 80 fundou a Giefarte, simultaneamente galeria e gabinete de arte, sempre dedicada ao desenho, sua disciplina de eleição. Em 1997 nasceu a Fundação Carmona e Costa onde, a par de notáveis exposições como, por exemplo, as dedicadas a Vasco Araújo ou a Julião Sarmento, apoiou edições sem conta de catálogos e livros, e patrocinou bolsas e projectos importantes. Destes últimos, destacamos o seu apoio à Bolsa Fulbright, ao Prémio AICA – cujos últimos premiados foram a artista visual Luísa Cunha, cuja retrospectiva esteve no MAAT em 2023, e o arquitecto Ricardo Carvalho –, e mesmo ao Banco de Arte Contemporânea, cuja missão é receber espólios artísticos em situação de emergência ou em risco de se perderem, de que é membro fundador. Por tudo isto, recebeu em 2016 a Medalha Municipal de Mérito Cultural, em 2018 a Medalha de Mérito Cultural e, em 2020, das mãos de D. José Tolentino em nome do Papa Francisco, o grau de Dama da Ordem Equestre de S. Gregório Magno.