Hoje é o 52.º dia de Dezembro
Infelizmente, a sociedade civil tem, de forma esmagadora, assistido ao drama no Global Media Group no sofá. Como se não percebesse a enormidade do que está em causa.
Eu já estive num jornal que morreu. E o fim foi como uma doença súbita que nos deixa sem capacidade de reacção. Uma noite estava a jantar com um grupo de amigos, alguns dos quais do Jornal de Notícias, e foram eles que, incomodados, nos disseram, aos d’O Comércio do Porto, que o jornal iria fechar no dia seguinte. Assim. De um momento para o outro. Parecia ficção, mas foi verdade. No dia seguinte, o Comércio e A Capital, que pertenciam ao mesmo grupo, imprimiram a sua última edição.
Apesar das batalhas que já se travavam há muito para manter a funcionar um diário regional que cada vez vendia menos, a morte rápida poupou-nos à agonia a que agora temos assistido no Global Media Group (GMG). Não houve incertezas sobre se o salário cairia na conta no dia seguinte, ameaças e mentiras vindas de quem devia ter como missão defender os trabalhadores.
Houve indemnizações pagas a todos e cartas para o fundo do desemprego. Houve angústia, claro, muitas lágrimas e a incerteza sobre o que o futuro traria. Muitos jornalistas d’O Comércio do Porto não voltaram a exercer a profissão. Mas alguns resistiram. Como a Ana.
Quando, no dia 10, cheguei à manifestação de apoio aos trabalhadores da GMG, à porta do antigo edifício do JN, no Porto, a Ana foi a primeira pessoa a quem pude dar um abraço. Saltaram-lhe as lágrimas dos olhos, enquanto dizia: “Tenho-me lembrado tanto do que passámos n’O Comércio.” Porque ela está a viver tudo outra vez. E, ainda que eu e todos os bravos trabalhadores do grupo que não têm desistido de lutar esperemos que o desfecho desta história sórdida venha a ser diferente do que aconteceu em 2005, não posso deixar de sentir que o que está a acontecer é pior. Na quinta-feira, o conselho de redacção do JN referiu-se às últimas novidades que chegaram enquanto os jornalistas estavam reunidos em plenário como “terrorismo”. Não me parece despropositado.
Desde que a situação se agudizou, no início de Dezembro, que a incerteza e a angústia não largam todos os que ali trabalham. São demasiados os episódios nublosos e que deviam fazer corar de vergonha qualquer administrador de uma empresa, quanto mais de um grupo de comunicação social que detém alguns dos títulos mais importantes do país.
Mas parece que a vergonha tem andado ausente de quem detém a maioria do GMG – um fundo com sede nas Bahamas, que não se sabe muito bem quem esconde por trás, e muito menos com que intenções se envolveu na compra da GMG. Quando o presidente da comissão executiva do grupo vai ao Parlamento e afirma, como se fosse normal, que o fundo que representa e que detém a maioria do grupo encara o pagamento de salários como queimar dinheiro (ele usou o termo “cash burn”), está tudo dito.
Uma comunicação social livre e forte é essencial ao garante da democracia. Jornais e rádios não podem ser trespassados como se fossem a loja da esquina. O que se vive na GMG mostra-nos que no rol de perguntas que devem ser feitas a quem pretenda comprar qualquer órgão de comunicação social no futuro deve constar se consideram que pagar salários faz parte das suas obrigações.
Hoje, para os jornalistas do JN, do Diário de Notícias, do Dinheiro Vivo, d’O Jogo ou da Global Imagens é o 52.º dia de Dezembro, porque continuam sem receber o salário daquele mês. Na TSF e no Açoriano Oriental o pagamento já aconteceu. Para os colaboradores continua a espera para receberem pelo trabalho que fizeram em Novembro.
Infelizmente, a sociedade civil tem, de forma esmagadora, assistido a este drama no sofá. Como se não percebesse a enormidade do que está em causa – que amanhã podemos acordar num país com apenas dois jornais diários nacionais generalistas nas bancas. E quão terrível isso é para um país livre e democrático. Valha-nos os incansáveis trabalhadores da GMG que não baixam os braços e, praticamente sozinhos, continuam a lutar para que mais essa desgraça não se abata sobre nós.
Graça Castanheira interrompe a sua crónica por um mês