Eloy Rodrigues: “Os cientistas são forçados a publicar cada vez mais”
Investigador da Universidade do Minho prevê um futuro sem taxas para submeter artigos às revistas científicas – mas ainda não estamos perto desse ponto de viragem, assegura.
Desde 2003 que a ciência aberta é tema de proa na vida de Eloy Rodrigues. É director dos Serviços de Documentação e Bibliotecas da Universidade do Minho e investigador em produção científica e participa activamente em vários grupos europeus e internacionais dedicados ao movimento da ciência aberta – que pretende uma investigação sem custos para quem lê e para quem produz ciência.
O acesso aberto através de taxas de publicação emergiu e há também um aumento das revistas predadoras. O que motiva isto?
Esta tendência consolidou-se há mais de dez anos, em 2012, a partir do Relatório Finch, no Reino Unido, que fez os britânicos apostarem no acesso aberto através do pagamento de taxas de publicação. Com isto, a maioria das revistas e das editoras [de revistas científicas] passou a oferecer um acesso aberto híbrido. Ou seja, continuam a vender assinaturas às bibliotecas, mas cobram taxas de publicação individualmente para os cientistas publicarem artigos científicos em acesso aberto.
Com isso, outras revistas novas perceberam que havia aqui um nicho e um modelo de negócio interessante [com o acesso aberto através de taxas de publicação]. Podemos dizer que se juntou a fome com a vontade de comer.
Por outro lado, a razão mais profunda para esta tendência é o modelo de avaliação dos investigadores – e que se reflecte até ao nível macro dos rankings das universidades. Ou seja, temos um modelo de avaliação totalmente baseado em métricas, nomeadamente no número de publicações e no factor de impacto. Isso tem consequências: os cientistas são forçados a publicar cada vez mais e a tentar publicar em revistas com cada vez maior factor de impacto.
Por causa disso, alguns cientistas arriscam más práticas, em que falsificam dados ou não usam métodos rigorosos. Costumo brincar e dizer: não foi uma revista de genética do Minho que publicou sobre a clonagem humana, foi a Science [em dois artigos de 2004, retirados em 2006 por falsificação de dados]. Porque é nestas revistas que as pessoas arriscam e são estas revistas que procuram ter coisas mais sexy e disruptivas. É nas revistas com maior factor de impacto que existe maior número de artigos retirados, e menor taxa de reprodutibilidade.
Em 2017, dizia a uma publicação da Universidade do Minho: “Já não tenho dúvidas de que antes de 2025 estaremos muito próximos do acesso aberto a 100%.”
Ainda que haja progresso, agora tenho mais dúvidas. A nível global, ainda não atingimos os 60% de [publicações em] acesso aberto.
A que se deve a demora?
Estamos a fazer a transição para o acesso aberto sem mexer no sistema de avaliação. Pedimos que publiquem em acesso aberto, mas estamos a avaliar melhor quem publica na Nature – é um contra-senso.
O que podemos prever para o futuro?
O futuro implica inovação e sustentabilidade – e não são as taxas de publicação. Será o chamado “acesso aberto diamante”, em que as universidades e os financiadores sustentam as plataformas que permitem publicar artigos científicos através de revistas e repositórios. Ou seja, garantem a sustentabilidade do ecossistema de publicação. O conteúdo, ou seja, o conhecimento deve ser aberto.
Antes não dava grande valor aos preprints [publicações em repositório sem revisão prévia à publicação por outros cientistas] e era muito céptico da revisão por pares aberta. E agora acho que são o futuro da comunicação científica.
O modelo de negócio das grandes editoras baseado em assinaturas e em taxas de publicação deve desaparecer. E estas editoras podem sobreviver com produtos e serviços, mas sem se basear em conteúdo fechado ou em altas taxas de publicação, como no modelo actual, que conduz à exclusão: se não tenho dinheiro, não posso ler, nem publicar.