Francisco Sena Santos: “Sinto falta de audácia em muitas redacções”

Jornalista e docente, Francisco Sena Santos conversou com o PÚBLICO à margem do 5º Congresso dos Jornalistas.

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Sena Santos lamenta que haja "sempre um enviado especial para o futebol e não (...) para as outras coisas da vida" Pedro Esteves/EEEV
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Às 7h da manhã de 29 de Fevereiro de 1988, Francisco Sena Santos lia a primeira notícia da TSF. Hoje olha com “enorme tristeza” para a situação a que chegou o Global Media Group – do qual faz parte a rádio –, com ameaça de despedimentos e falha no pagamento de salários, apesar de acreditar que será possível encontrar soluções”.

A coordenar a equipa de 110 alunos — vindos de 21 escolas de comunicação de todo o país que está a fazer a cobertura do 5.º Congresso dos Jornalistas, Sena Santos é crítico de um jornalismo “feito demasiado na redacção”, mas mantém a esperança no futuro da profissão: “Esta é uma crise da qual há saída e recuso por completo o catastrofismo.”

Estamos a viver uma crise no modelo de negócio nos media, uma crise do jornalismo, ou as duas são indissociáveis?
Eu acho que a crise do modelo de negócio levou a uma crise do jornalismo. Fragilizou as redacções e as condições que existiam para se enviarem as pessoas aos sítios. Uma missão essencial do jornalismo é que o repórter vá ao lugar da notícia.

O jornalismo faz-se hoje mais sentado?
O jornalismo é feito demasiado na redacção. O grande valor do jornalismo é dar notícias, é ser a extensão do sentido nos olhos. O jornalista é um procurador dos leitores, dos ouvintes, dos espectadores. É claro que depois também há crises dentro do jornalismo. Nestes últimos três meses e meio, tivemos um dado perturbador que não é só um dado português , Gaza apagou a guerra na Ucrânia. A crise de Gaza está a influenciar o desenvolvimento da guerra na Ucrânia porque todo o foco foi desviado para lá, mas nós hoje sabemos coisas difusas sobre o que se passa na Ucrânia e o que está ali à volta.

A agenda mediática está a tornar-se mais monotemática ao ponto de não conseguir prestar atenção a várias realidades?
É mais importante do que isso: é ter todos a fazerem o mesmo.

Mas é por medo de arriscar ou é por falta de recursos?
É um pedaço de tudo. Estão todos a marcarem-se uns aos outros. Sinto falta de audácia em muitas redacções.

E falta de pluralismo?
O pluralismo não me parece ser um problema. Diria mais falta de cosmopolitismo e falta de curiosidade. Falta-nos descobrir coisas novas e ir à procura de outras realidades. É evidente que um jornal de referência, uma rádio, uma televisão não podem deixar de nos contar todos os dias o que está a acontecer em Gaza, mas e as outras guerras? O que se passa no meio da África, no Sahel? Eu não sou defensor de correspondentes em todo o sítio, mas gosto muito de uma política de enviados especiais. Gosto que haja correspondentes para uma região e que se movimentem em torno desta região. Como é que hoje nós não sabemos o que se passa na China? Temos pouco mundo. Preocupa-me muito a importância que é dada ao futebol nas televisões. Há sempre um enviado especial para o futebol e não há um enviado especial para as outras coisas da vida.

Como é que olha para a situação do Global Media Group?
É uma enorme tristeza. Eu diria que é uma tristeza que se vinha anunciando, mas não imaginava que pudesse ser este descalabro. Apetece-me abraçar tantos e tantos companheiros. É uma dor, mas, apesar de tudo, confio que seja possível encontrar soluções. Aqui entramos na questão determinante do financiamento.

Para um jornalista, quais lhe parecem as soluções viáveis?
Gosto muito que haja sistemas mistos de financiamento [público e privado] e soluções de mecenato. Creio que um dia em Portugal vai ser possível. Acho que o Estado tem de intervir no apoio a todas as formas de jornalismo.

E não tem preocupações no que toca à dependência que os apoios possam originar?
Eu acho que já saímos dessa fase. É evidente que é um risco, mas julgo que a responsabilidade é dos jornalistas e aqui vale a pena voltar às origens com direcções eleitas pelos jornalistas. A formação dos jornalistas é determinante para criar um sentido de responsabilidade, um sentido de serviço público. Serviço público seja em empresas do Estado ou em empresas privadas, porque empresas privadas também prestam um serviço público.

Numa das sessões que antecederam o congresso, um aluno da licenciatura em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social disse que nenhum dos colegas da sua turma queria ser jornalista. A profissão corre risco de extinção?
Não creio que corra risco de extinção. Olhamos em volta e só se ouve notícias de catástrofe, redacções que colapsam. A Bola já vendeu noutros tempos 200 mil exemplares. Quando A Bola é um jornal ameaçado, é evidente que um tipo se tem de interrogar: "Mas será que eu escolhi isto bem, isto de ser jornalista?" Mas julgo que isto é uma crise da qual há saída e recuso por completo o catastrofismo, não há o risco de o jornalismo parar.

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