Um dia destes

Sempre que fechava um daqueles livros, fazia-o emocionada dizendo «ninguém acredita em ti».

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A Esperança não visitava a irmã com a frequência expectável de quem vive na mesma cidade: na cidade nunca há tempo para nada, nunca dá jeito, vai-se adiando, um dia por ter de ir com a cadela ao veterinário, depois porque está a chover, a seguir porque é dia de limpezas, e a frase «um dia destes temos de combinar um café» é a manifestação amistosa de um desejo que não dá jeito nenhum cumprir. Contudo, por vezes acontece, a Esperança apareceu um dia para tomar café com a irmã, levando consigo alguns livros para emprestar, tens de ler estes, São, vais adorar. Eram novelas românticas, como era hábito, mas de um novo autor que começara a fazer algum sucesso nos quiosques e papelarias. A São abriu um dos livros, leu uns trechos: «Usava um cafetão de lã branca e fez vermelho, cabelos grisalhos, muito alto e esguio, com barba pontiaguda e babuchas amarelas. Levava uma mala de couro que pousou na mesa, abrindo-a de seguida e exibindo milhares de dólares com que iria prodigalizar os inúmeros criados que abundavam no casino. Não usava aquele dinheiro para apostar, as suas apostas eram sempre muito mais complexas, as suas apostas não caberiam numa mala de couro (…) recostada num canapé forrado com tecidos persas, a madame Rose fumava cigarrilha para assegurar o lugar-comum. A sua profissão exigia determinados adereços que, muitas vezes anacrónicos, conferiam a aura requerida pelos clientes. O conforto é dado pela expectabilidade e não pela surpresa e a madame Rose era um corpo expectável, de robe chinês e chinelas turcas.» A São teve um sentimento de familiaridade com aquela escrita, pareciam as histórias do Moisés, daquelas que ninguém levava a sério, ninguém acredita em ti, Moisés. A São leu alto o nome do autor, talvez esperando que fosse Moisés, mas não tinha nada que ver, era um nome francês. Acabou por ler todos os livros do escritor, primeiro os que a Esperança lhe emprestou — e que a São não devolveu — e depois os que encontrou à venda, lendo alguns deles mais de uma vez. Sempre que fechava um daqueles livros, fazia-o emocionada dizendo «ninguém acredita em ti».

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