Lisboa Mistura celebra em dois dias a vitalidade sonora das culturas da cidade
O Cineteatro Capitólio recebe este fim-de-semana a 18.ª edição do festival. No programa, entre outros, o britânico Soweto Kinch, a marfinense Dobet Gnahoré e os projectos nacionais Jazzopa e Criatura.
Marcada para Setembro de 2023 e adiada por razões meteorológicas, a 18.ª edição do festival Lisboa Mistura vai finalmente realizar-se este fim-de-semana, agora tendo por palco o Cineteatro Capitólio. O programa mantém-se, em boa parte, ainda que com novo alinhamento. O acesso às sessões é, tal como nas edições anteriores, gratuito.
O primeiro dia do festival abre com um debate em torno do tema Lisboetas e Visibilidade, no Bazar do Vídeo (16h), seguindo-se, já no Capitólio, concertos da OPA (Oficina Portátil de Artes), às 19h30, do saxofonista e rapper britânico Soweto Kinch, às 21h, e da premiada cantora, bailarina e compositora africana Dobet Gnahoré, às 22h30. No domingo, o arranque faz-se com a Festa Intercultural, que decorrerá das 17h às 19 com Mbalango (Moçambique), Toy e Emanuel Matos (Portugal), Amizade Linha de Sintra (Guiné-Bissau), Isha Artes: Kathak (Índia) e Kaori Shiozawa (Japão). Depois, ouvir-se-ão a mistura de spoken word, jazz e hip-hop dos Jazzopa (19h30) e o colectivo Criatura (21h). Pelo meio, entre os concertos, o público terá oportunidade de ouvir as propostas sonoras do DJ Tiago Pereira, criador e dinamizador do projecto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria.
Organizado pela Associação Sons da Lusofonia e pela empresa municipal de cultura EGEAC, o Lisboa Mistura pretende, nesta sua edição de 2023 que acaba por se realizar em 2024, “escutar a cidade e o mundo à volta, pensar no seu futuro e no futuro da cultura como activação da cidadania na construção urbana”, diz Carlos Martins, fundador e programador da iniciativa. E o tema que serve de mote ao debate que abre o festival, Lisboetas e Visibilidade, tem muito que ver com a génese da Associação Sons e Lusofonia, como lembra ao PÚBLICO: “A Sons da Lusofonia começou à volta de uma orquestra com músicos de Cabo Verde, Angola, Moçambique, etc.. E onde é que eles tocavam, a maior parte das vezes? Em clubes nocturnos. Só tinham visibilidade para quem os frequentava. Ora a Sons da Lusofonia foi criada para dar visibilidade a esses músicos e actualmente alguns deles têm uma visibilidade extraordinária. A nossa pergunta é: passados 28 anos, como é que está essa visibilidade?” Para procurar respostas, estarão neste debate o jornalista e crítico Vítor Belanciano, Paula Cardoso, criadora do portal Afrolink, e Marisa Rodrigues, da revista on-line Bantumen.
Carlos Martins afirma, a este propósito, que “a Sons da Lusofonia foi a primeira a falar dos lisboetas de uma perspectiva geodiferenciada, culturalmente diversa, antes até do fabuloso filme Lisboetas do Sérgio Tréfaut”. O que mudou nestes anos, argumenta, “foi o básico”: “Há uma assunção de que esses lisboetas existem, mas o que é que se faz com eles, além de os empurrarem para as periferias e de não lhes darem grandes condições de acesso ao mercado de trabalho, à educação, etc.? Está na altura de pensar até que ponto a inversão da inclusão causada pelas redes sociais nos últimos anos está a afectar todo este processo. Mas também, o que é importante, de celebrar o que há de bom no que foi feito, porque sem vibração não há ressonância.”
Os concertos da primeira noite com músicos estrangeiros são uma boa aposta, diz Carlos Martins: “O Soweto Kinch é um grande saxofonista de jazz e ao mesmo tempo um rapper extraordinário. E é a maior lição de vida que se pode proporcionar ao projecto Jazzopa. As pessoas deste projecto, que já tocam e cantam bem (foram escolhidas dez entre 80), podem ouvir um grande mestre, e o público de Lisboa pode ouvir um grande músico".
Quanto a Dobet Gnahoré, a escolha está mais relacionada com o trabalho que a Sons da Lusofonia tem vindo a fazer em Marvila. Trata-se agora, explica Carlos Martins, "de trazer as pessoas ao concerto e possibilitar um momento de partilha, convidá-las a ficarem lá a falar com ela e perceberem como ela se relaciona com a sua cultura da Costa do Marfim, com África, com viver no Ocidente, porque muitas dessas pessoas são migrantes também”. Em suma, diz o programador sobre os convidados internacionais de um festival que se quer de e para a cidade: “Não são artistas que vêm e vão embora no dia a seguir; trazem materiais para ficarmos a trabalhar aqui.”