Revistas “intimistas” da PSP às activistas: IGAI recomenda respeito por “dignidade pessoal”

Recomendação da IGAI surge após activistas climáticas terem acusado a PSP de as ter mandado despir para revistas íntimas, levando a Administração Interna a ordenar a abertura de um inquérito urgente.

Foto
Activistas do colectivo Climáximo acusam as forças de segurança de "revistas abusivas", nas quais as mulheres são obrigadas a despirem-se Nuno Ferreira Santos
Ouça este artigo
00:00
04:45

A Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) emitiu uma recomendação, esta quarta-feira, na qual refere que as forças de segurança devem “respeitar a dignidade pessoal” e o “pudor” dos indivíduos visados antes de decidir qual tipo de revista vão fazer – ou seja, se será uma revista simples ou “intimista” (que implica a remoção da roupa).

“Por princípio, a decisão dos elementos das forças de segurança, numa situação em concreto, sobre qual procedimento de revista adoptar – revista simples/sumária ou intimista – terá sempre de assentar em critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação, por forma a respeitar a dignidade pessoal e, na medida do possível, o pudor do visado”, refere o documento do IGAI, assinado pela inspectora-geral Anabela Cabral Ferreira.

A recomendação surge na sequência de activistas climáticas do colectivo Climáximo terem, num artigo veiculado pelo Diário de Notícias (DN), acusado a PSP de as ter não só mandado despir, mas também mantido algemadas por mais de dez horas. A notícia levou o Ministério da Administração Interna a ordenar a abertura de um inquérito urgente pela IGAI.

Contactado pelo PÚBLICO, o Climáximo reagiu com pouco entusiasmo à recomendação. As revistas abusivas foram limitadas em teoria. Em teoria já não eram permissíveis antes, e até já houve repreensões na PSP em anos passados por práticas iguais. Na prática, as recomendações à volta da proporcionalidade e dignidade pessoal dificilmente são concretizadas porque neste momento o papel da polícia é, infelizmente, proteger o sistema de protestos legítimos – o que dificilmente é proporcional, em qualquer caso, afirmou uma porta-voz numa resposta por escrito.

O que as notícias à volta deste caso vêm salientar é o facto da sociedade civil começar a reprovar a atitude da polícia face ao protesto – que todas as suas acções são decisões éticas que tomam sobre o lado da história em que se irão colocar. Convidamos todas as pessoas à mesma reflexão”, acrescenta a porta-voz.

Em causa protesto em Lisboa

Os 11 activistas — seis mulheres e cinco homens — foram detidos a 14 de Dezembro, por desobediência civil e interrupção do trânsito, durante uma acção de protesto climático que bloqueou o viaduto Duarte Pacheco, em Lisboa. O DN relata como as manifestantes foram obrigadas a despir-se totalmente nas esquadras para serem revistadas, o que configura a opção por uma revista intimista (e não simples).

A recente recomendação da IGAI sublinha que tais revistas “só devem ser efectuadas quando houver indícios concretizados em factos objectivos, de que o suspeito ou detido oculta na sua pessoa objectos relacionados com o crime ou com os quais possa praticar actos de violência”.

Na acção de protesto em causa, os activistas do colectivo Climáximo penduraram-se no viaduto expondo uma faixa vermelha onde se lia “O Governo e as empresas declararam guerra à sociedade e ao planeta”. Outros membros do grupo sentaram-se na artéria junto ao viaduto, condicionando o trânsito.

O objectivo dos activistas, segundo explicaram na ocasião ao PÚBLICO, era alertar a sociedade civil para a crise do clima, sublinhando como a inacção dos responsáveis políticos e empresariais estava a tornar o planeta cada vez mais inóspito para os seres vivos.

“Não é surpreendente que a única resposta do sistema face à crise climática que produziu seja tentar dissuadir activismo, que sempre foi central para mudança social – mas reforçamos que a verdadeira ameaça à segurança dos portugueses é uma economia viciada em energia fóssil, que só pode ser desarmada com resistência por parte de todas as pessoas”, afirma uma porta-voz da Climáximo numa nota enviada ao PÚBLICO.

“Critérios de proporcionalidade”

A recomendação da IGAI frisa ainda a importância dos “critérios de proporcionalidade”, numa referência ao facto de as revistas terem sido feitas apenas às mulheres, e por duas vezes, e não aos homens. Contactada pelo DN, a polícia admitiu “foram adoptados procedimentos de revista diferenciados”, não tendo sido negada a existência de revistas “nuas”.

A recomendação da IGAI é clara no que toca à diferenciação por sexo. “Salvo razões específicas e objectivas devidamente fundamentadas que o justifiquem, em caso algum as revistas podem ser feitas por forma a discriminar positiva ou negativamente os cidadãos visados em função ou em razão de características pessoais e subjectivas”, refere o documento da IGAI.

“Agentes da PSP ordenaram a jovens activistas climáticas que se despissem e que, sem roupa, se agachassem, mostrando dessa forma as partes mais íntimas do corpo. Não obrigaram os rapazes ao mesmo procedimento. “Aqui não mandas nada. Se te dizem para despir, é para despir”, foi-lhes dito”, escreveu a advogada Carmo Afonso, colunista do PÚBLICO, num artigo de opinião publicado a 10 de Janeiro.

Para a colunista, “humilharam aquelas raparigas pela simples vontade de o fazer”, uma vez que os elementos das forças de segurança “não fizeram o mesmo aos rapazes”. Carmo Afonso sublinha ainda a pacificidade dos protestos, nos quais os activistas nunca reagem à violência que sobre eles é exercida.