Parque Natural Sintra-Cascais: “Cortar árvores numa estrada com aquela beleza indigna as pessoas”

Moradores dizem que o corte de árvores na estrada do Parque Natural Sintra-Cascais traz “danos irreparáveis” à área. IP refere que foi feito pela segurança e para as faixas de gestão de combustível.

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A IP indica que foram feitas 661 podas e 480 abates a árvores Daniel Rocha
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Moradores têm vindo a mostrar a sua indignação Daniel Rocha
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IP e ICNF justificam o abate e corte com a segurança da circulação Daniel Rocha
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Outro dos motivos para a intervenção são as faixas de gestão de combustível, indicam o ICNF e a IP Daniel Rocha
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Moradores têm reunião marcada com o ICNF este mês Daniel Rocha
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Cidadãos exigem ser esclarecidos sobre esta situação e outras do mesmo género Daniel Rocha
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Foi ainda antes do Natal que Susana Félix se apercebeu do que estavam a fazer: “Comecei a ver que estavam a cortar algumas árvores a seguir ao Pé da Serra”, recorda. Ainda supôs que estivessem a fazer isso apenas a uma ou outra árvore, mas não. “Rapidamente percebi que estavam a fazer um corte em massa das árvores que ladeavam a estrada”, continua a contar a moradora de Colares, em Sintra, que percorre praticamente todos os dias essa estrada que ladeia o Parque Natural Sintra-Cascais.

Susana Félix começou a ficar cada vez mais atenta e observou que até estavam a ser abatidas árvores maiores e mais velhas. Só havia algo a fazer: alertar os outros elementos do seu grupo de cidadãos, o Grupo dos Amigos das Árvores de Sintra (GAAS). As pessoas não começaram logo a mexer-se em nome dessas árvores cortadas e a moradora lamenta-o: “Se isso tivesse acontecido, poderíamos ter evitado que muitas árvores fossem abatidas.” Mas um movimento em defesa dessas árvores acabou por surgir.

Uma concentração com várias associações ambientalistas e de cidadãos ocorreu no primeiro domingo de Janeiro e envolveu a ADN Ambiente, a Plataforma em Defesa das Árvores, a Sintra sem Herbicidas, e Quercus, assim como partidos como Bloco de Esquerda e Livre, de acordo com a agência Lusa.

A concentração com cerca de 30 pessoas foi no local onde agora falamos com Susana Félix e máquinas estão a deslocar, a partir de um amontoado, troncos para um reboque, perto de uma placa que indica Atalaia. “É só o que resta”, assinala com desalento a moradora. E pede-nos que tomemos atenção à dimensão de um tronco. “O diâmetro não deve andar longe de um metro”, especula. “Isto é um crime! Era uma árvore que estava absolutamente saudável.” Susana diz que seria quase centenária.

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Recentemente, a IP esteve a fazer uma intervenção de poda e de abate no troço da ER247 Daniel Rocha

Deixamos as máquinas a trabalhar e percorremos um pouco da estrada. O sentido de Sintra para Cascais está cortado e nas bermas ainda se estão a limpar ramos e outras partes das árvores que restaram após o abate. Há algumas árvores – como eucaliptos – sem copas, mantidos de pé. E há outras, já cortadas, ao lado de casas próximas da estrada. Vão-se acumulando troncos e partes de copas um pouco por toda a borda da estrada. Há trabalhadores a limpar restos dessa vegetação, que ali permaneceram após o abate. De tempos a tempos, vão passando carros.

“É um espectáculo deprimente, não é?”, interpela Susana Félix. Nota-se que foram cortadas árvores próximas da berma da estrada, pelo menos, até três metros. “Já não fomos a tempo de fazer nada”, lamenta.

O mesmo desalento é partilhado por Florbela Frade, que vive no município de Sintra e faz parte do GAAS. “Ninguém percebe porque é que fazem estas devastações de árvores ao longo das estradas. Um parque natural deveria ser gerido com cautela e carinho”, argumenta ao telefone. Soube o que estava a acontecer depois do alerta de Susana Félix e juntou-se ao protesto. “Decidimo-nos juntar e tentar perceber o que se estava ali a passar”, conta.

A justificação da IP e do ICNF

Tanto Susana Félix como Florbela Frade dizem que questionaram a Infra-Estruturas de Portugal (IP), que está a fazer a intervenção, e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que tem de dar a autorização prévia para que esses trabalhos avancem. Até agora, dizem que tiveram conhecimento das justificações para o corte das árvores através da comunicação social. “Só conhecemos um anúncio público da Infra-Estruturas de Portugal divulgado em alguns meios de comunicação”, diz Florbela Frade.

Esse esclarecimento da IP foi enviado ao PÚBLICO. O que aconteceu então? Recentemente, a IP esteve a fazer uma intervenção de poda e de abate no troço da ER247 (Estrada Regional 247), entre os quilómetros 71.960. e o 87.480, no concelho de Sintra. Há cerca de dois anos que os trabalhos foram iniciados e esta intervenção constituiu a última fase. “Teve como principal objectivo a execução das faixas de gestão de combustível, actuando proactivamente de modo a assegurar condições de circulação para pessoas e bens nas estradas sob gestão directa da IP”, justifica a IP.

Ao longo desses dois anos, a IP adianta que foram feitas 661 podas e 480 abates a árvores. Dessas, 183 são espécies exóticas invasoras. A poda foi feita sobretudo a plátanos, ao longo da estrada entre Sintra e o Pé da Serra, e a IP diz que teve como objectivo a “melhoria das condições de segurança e circulação rodoviária e pedonal na ER247”.

Já sobre as limpezas, abates e desramações, realizadas entre o Pé da Serra e o Cabo da Roca, foram feitas não só pela “melhoria das condições de circulação rodoviária”, como também para que se possa cumprir os critérios especiais definidos para a área do Parque Natural Sintra-Cascais (PNSC) no Plano de Defesa da Floresta contra Incêndios do Município de Sintra. Os abates incidiram sobre espécies pitósporos, mimosas, eucaliptos e pinheiros bravos – ou seja, muitas delas exóticas ou invasoras. “O abate de espécies autóctones foi muito pontual, apenas 12 exemplares”, assegura.

Durante esta semana ainda decorreram alguns trabalhos no troço Daniel Rocha
Durante esta semana ainda decorreram alguns trabalhos no troço Daniel Rocha
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Durante esta semana ainda decorreram alguns trabalhos no troço Daniel Rocha

A IP ressalva que não se terá de compensar as árvores abatidas, por três motivos: a maior parte das espécies eram eucaliptos, pinheiros-bravos e exóticas invasoras, pelo objectivo de o abate ser a gestão dos fogos rurais e pela forma como foi feita a intervenção, em que se removeu exemplares de invasoras e houve um desbaste para afastamento das copas. No fundo, a IP salienta que são medidas que “visam a melhoria e protecção do espaço florestal” e que os materiais que resultaram da pode ou bate vão para “um destino final adequado”.

Por último, a IP frisa que esta intervenção teve uma avaliação técnica e foi obtida autorização prévia ao ICNF, bem como comunicada à Câmara Municipal de Sintra. A intervenção na estrada do parque natural “ainda não está concluída”, esclareceu a IP esta quinta-feira (18 de Janeiro). A empresa apenas refere que tem sob a sua responsabilidade a gestão e conservação de mais de 14.000 quilómetros da Rede Rodoviária Nacional, mas não indica quais serão as outras intervenções planeadas para este ano nem onde serão realizadas.

Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara de Sintra diz que “é alheia” ao corte das árvores. “A autarquia apenas conhece que a intervenção em apreço foi da responsabilidade da Infra-Estruturas de Portugal com autorização prévia do ICNF”, informam por email.

Numa resposta enviada ao PÚBLICO, o ICNF também justifica que a intervenção ao longo da estrada ER247, de Sintra ao Cabo da Roca, será para fazer as faixas de gestão de combustível e garantir a segurança de circulação na estrada. O instituto enumera diferentes autorizações de abate desde 2019 para o local, nomeadamente de eucaliptos, acácias e pinheiros, e que “comprometiam a segurança rodoviária”.

A autorização referente à intervenção actual na estrada foi dada em Outubro de 2021 e envolveu a permissão para o abate de 454 árvores, incluindo 48 acácias, 127 pitósporos, 148 eucaliptos, 115 pinheiros-bravos, três freixos, dois pinheiros-mansos, um choupo, um pilriteiro e um loureiro. “Todos em situações de instabilidade e fitossanidade que comprometiam as condições de segurança da circulação viária”, enfatiza o ICNF.

Também foi dada autorização da poda para alguns carvalhos, para o pinheiro-manso, o zambujeiro, o choupo e sobreiros. Ainda nesse período, foi permitido o abate de sete sobreiros (três adultos e quatro jovens) e, em Novembro de 2021, a poda de 34 sobreiros. O ICNF salienta que, ao longo da intervenção, “não foi abatida nenhuma árvore centenária”.

Contudo, uma vez que os pareceres duravam dois anos, e a intervenção da IP está ainda a decorrer depois desse período, o ICNF diz que “foi levantado um auto de notícia”. “O auto de notícia deveu-se à verificação no local dos trabalhos em curso por parte da IP sem que a prorrogação do pedido de autorização tivesse dado entrada no ICNF”, justifica o instituto. A IP esclarece que a intervenção se iniciou em Janeiro de 2022, mas que, o facto de se tratar de uma intervenção dentro de um parque natural, “implicou a necessidade de ajustar os procedimentos operacionais de forma a salvaguardar determinados aspectos específicos”, como a compatibilidade do calendário dos trabalhos às restrições associadas ao habitat natural do parque.

E quantas árvores foram abatidas neste parque natural nos últimos dez anos? Esta é uma pergunta sem resposta para o ICNF. O instituto diz que o parque tem 14.583 hectares e características e usos muito diferentes. “Em muitos deles, a prática da conservação da natureza passa pelo corte de algum arvoredo quer para manutenção de habitats, quer para controlo de espécies exóticas, como pinheiro-de-alepo ou invasoras, nomeadamente acácias”, explica o ICNF, assinalando que há ainda intervenções na cobertura vegetal para a execução das faixas de gestão de combustível. “Por tudo isto, é impossível estimar o número de árvores abatidas na área do PNSC.”

Paulo Fernandes não esteve no local, mas conhece bem a questão das faixas de gestão de combustível. O investigador na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro explica que essa é “uma intervenção linear”, ou seja, ao longo de uma linha, e pode ser mais estreita ou mais larga. Se é feita ao longo das estradas – a chamada “rede secundária” –, tem de se gerir dez metros de cada lado da estrada, a contar do limite do asfalto. Este é o caso da intervenção no Parque Natural Sintra-Cascais.

O investigador explica que não há grandes especificações para se gerir estas faixas – tanto há quem corte as árvores, como quem apenas elimine o que está debaixo delas, como ervas e arbustos. “Tecnicamente, pode não haver nenhuma necessidade de cortar as árvores ou poderia haver necessidade de retirar apenas algumas para não ser um coberto de copas tão denso”, esclarece Paulo Fernandes. “É obrigatório manter as faixas, mas não é obrigatório cortar as árvores.”

Se para as faixas de gestão de combustível admite que seja apenas necessário o corte da vegetação arbustiva e herbácea debaixo das árvores, há motivos, como a segurança na circulação, que podem justificar o abate de árvores grandes e de uma certa idade. Além disso, assinala que muitas das árvores abatidas à beira da estrada do parque natural são exóticas e invasoras. “Pessoalmente, não condenaria esse corte, uma vez que se trata predominantemente de plantas de espécies exóticas”, observa.

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Moradores que passam por aquela estrada lançaram o alerta e têm mostrado o seu desagrado Daniel Rocha

Susana Félix não se sente satisfeita com as justificações dadas pela IP e pelo ICNF. “A justificação que estão a querer dar é uma justificação escondida, porque as árvores estavam saudáveis e não precisavam de ser abatidas”, considera a moradora. Susana não descarta que tivessem de ser feitos ajustes e manutenção em algumas árvores, mas não com a dimensão que se fez.

Deve informar-se bem as pessoas

Tanto Susana Félix como Florbela Frade consideram que deveriam ter sido feitos esclarecimentos à população antes das intervenções. “Gostaria que esclarecessem as pessoas para que nos pudéssemos opor. Agora não há nada a fazer”, diz Susana. “Devia haver uma participação maior das associações ambientalistas e deviam ouvir a opinião das pessoas envolvidas nesses grupos”, apela. Florbela faz o mesmo apelo e até acrescenta: “Esta não é uma questão só para especialistas, é uma questão de cidadania e de ambiente que cabe a todos.”

Paulo Fernandes considera que se deve fazer este tipo de intervenções com mais pedagogia, como com placards informativos ou informações explícitas nos sites dos organismos envolvidos – a 5 de Dezembro, a IP publicou uma nota sobre os trabalhos de poda e bate de árvores na ER247. Mas tem de ser feito um esforço maior e, em certos locais, devem ser feitos avisos à população, admite o investigador. Susana Félix diz que não se lembra de ver qualquer cartaz ou outro tipo de informação sobre o assunto. Questionada pelo PÚBLICO, a IP apenas refere que “a população foi informada”, até porque a intervenção implica alguns condicionamentos de circulação.

“Antevendo que estas intervenções podem ser polémicas, convinha logo de início informar bem as pessoas”, realça Paulo Fernandes. “É comum haver protestos contra abates de árvores, porque as pessoas atribuem valor a árvores bonitas, de grande porte, antigas ou de valor ornamental.”

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Grupos de cidadãos têm manifestado a sua indignação em relação ao abate de árvores Daniel Rocha

Susana Félix dá valor às árvores e ao sítio onde elas estão. A moradora de 68 anos vive nesta zona desde os seus 12 anos: “A serra é a minha segunda casa.” É uma grande apreciadora da natureza e o Grupo dos Amigos das Árvores de Sintra surgiu há uns anos devido ao abate de outras árvores nesta área.

O grupo não parará por aqui. Neste momento, estão a planear um encontro nacional em defesa das árvores, que será realizado em Fevereiro. Florbela Frade diz que um dos temas será o corte de árvores próximo de estradas. “Não se compreende... As estradas mais bonitas são as que têm árvores de lado”, afirma, caracterizando agora o cenário na ER247 como um “bocadinho dantesco”. Paula Mascarenhas, do Grupo Ecológico de Cascais, que tem apoiado esta iniciativa e esteve presente na concentração no parque natural, pensa o mesmo: “Cortar árvores numa estrada com aquela beleza indigna as pessoas.”

Para ainda terem esclarecimentos sobre o corte das árvores à beira da estrada do parque natural está marcada uma reunião com o ICNF no dia 22. “Vamos tentar perceber que base científica está por detrás de tal autorização”, diz Florbela Frade. No dia seguinte, o grupo irá à reunião municipal, em Sintra, abordar a situação. Mas para Susana Félix já houve “danos irreparáveis” naquela sua segunda casa.

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