Quatro cientistas portugueses recebem bolsas do Conselho Europeu de Investigação
Investigadores da Fundação Champalimaud, da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Lisboa vão receber 150 mil euros cada um para levarem as suas investigações para o mundo dos negócios.
Portugal recebeu esta quinta-feira mais quatro bolsas do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês), na terceira ronda do concurso de 2023.
Os quatro investigadores, um da Fundação Champalimaud, duas cientistas da Universidade Nova de Lisboa e uma investigadora da Universidade de Lisboa, vão receber um financiamento de 150 mil euros cada um para transferirem os resultados das suas investigações no combate à obesidade, nas tecnologias de biomateriais, no diagnóstico não-invasivo e nas redes sociais para as primeiras fases de comercialização.
Como o cérebro determina os hábitos alimentares
O combate à obesidade é a área de estudo de Albino Oliveira-Maia, investigador principal da unidade de neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud. Ao abrigo de uma bolsa de Arranque do ERC, a sua equipa está actualmente a investigar como o nosso cérebro determina os nossos hábitos alimentares, focando-se na forma como o cérebro responde depois de comermos, o que influencia o nosso desejo por mais comida e como os sinais entre o intestino e o cérebro influenciam o comportamento alimentar.
Rita Cavaglia, que faz parte da equipa, explica, em comunicado conjunto da Universidade Nova de Lisboa e da Fundação Champalimaud, que “outra maneira de perceber o papel do cérebro nos nossos hábitos alimentares é olhar para o que acontece quando certas áreas do cérebro são danificadas”. “Usamos este método para entender distúrbios de saúde mental, e este pode ajudar-nos também a compreender comportamentos alimentares. Por exemplo, notamos que algumas lesões cerebrais podem alterar a forma como o peso de uma pessoa é regulado”, acrescenta.
Uma das questões que se põe é se essas lesões ocorrem em partes específicas do cérebro, com as técnicas de imagem cerebral a poderem ajudar a dar uma resposta e a “ver se certas áreas cerebrais ou redes estão ligadas a essas mudanças no peso e hábitos alimentares”, destaca Gonçalo Cotovio, que faz também parte do laboratório de Oliveira-Maia. “Estas técnicas também podem ajudar-nos a desenvolver novos métodos de tratamento, como a estimulação magnética transcraniana, uma forma não-invasiva de estimular o cérebro”, diz.
O objectivo da equipa, segundo o outro investigador do grupo, João Duarte, é “encontrar áreas específicas no cérebro que possam ser influenciadas usando a estimulação magnética transcraniana, para ajudar a controlar hábitos alimentares”. “Esta abordagem será guiada pela nossa compreensão de como certas áreas do cérebro, especialmente aquelas afectadas por lesões, estão ligadas a mudanças no comportamento alimentar e na gestão do peso.”
Por outras palavras, a equipa pretende usar técnicas de estimulação cerebral não-invasivas de forma a provocar alterações nos comportamentos alimentares em pessoas com obesidade. “Estamos convencidos de que este projecto [chamado Foodconnect], tornado possível pela bolsa de Prova de Conceito do ERC, irá melhorar a nossa compreensão de como a obesidade se desenvolve e fomentar o desenvolvimento de abordagens terapêuticas inovadoras para esta questão de saúde global e significativamente impactante”, conclui, em comunicado, Albino Oliveira-Maia, director da unidade de neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud, professor de psiquiatria e neurociências da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.
Da cortiça ao estômago
A área das tecnologias de biomateriais é da responsabilidade de Cristina Silva Pereira, investigadora do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) António Xavier da Universidade Nova de Lisboa.
A importância do seu projecto está relacionada com o potencial dos ingredientes funcionais – como probióticos e proteínas – para promover a saúde e prevenir doenças, estando a sua incorporação em produtos como o pão, o leite e os sumos de fruta a ser analisada pela indústria alimentar. Mas há um problema: é que muitos destes ingredientes funcionais são sensíveis ao pH de produtos ácidos como os sumos.
É aqui que entram as tecnologias de encapsulamento, nomeadamente as tecnologias conhecidas como antibolhas (antibubbles), que podem aumentar a sobrevivência destes ingredientes em ambientes ácidos e no estômago. Porém, o material de encapsulamento mais utilizado – a sílica – não é adequado para consumo humano. Foi então que Cristina Silva Pereira e a sua equipa procuraram encontrar uma alternativa no âmbito da sua recém-concluída bolsa de Consolidação do ERC.
“Acreditamos que a suberina, um biopolímero hidrofóbico que a natureza utiliza para impedir o transporte de humidade, poderia ser utilizada como invólucro de gotículas líquidas, evitando fugas e garantindo uma vida útil longa”, explica Cristina Silva Pereira, que coordena uma equipa de 18 pessoas no Laboratório de Micologia Aplicada e Ambiental do ITQB Nova, cujo projecto se chama SNAIL.
A suberina encontra-se, por exemplo, na casca dos sobreiros – ou seja, na cortiça – ou da batata, entre outros. Uma vez que a cortiça é utilizada há anos no fabrico de rolhas para garrafas de vinho, a sua segurança para consumo humano está demonstrada, destaca James Yates, investigador especializado na caracterização de nanopartículas, responsável no projecto por controlar a homogeneidade do tamanho das amostras produzidas.
“O próximo passo é a integração de biopolímeros derivados de plantas no multimilionário mercado de alimentos e medicamentos funcionais encapsulados”, acrescenta Manuel Melo, responsável por introduzir os dados experimentais da suberina em modelos preditivos de poliésteres vegetais para permitir uma visão da organização destes sistemas.
A equipa de Cristina Silva Pereira inclui ainda a empresa que desenvolveu a tecnologia patenteada antibolhas. “Actualmente, não existem quaisquer tecnologias de encapsulamento que possam proteger os ingredientes saudáveis sensíveis do baixo pH ao longo de todo o prazo de validade dos produtos alimentares, garantindo simultaneamente a biodisponibilidade dos ingredientes”, explica, citado em comunicado, Albert Poortinga, proprietário da empresa Bether Encapsulates. Com este projecto e a nova bolsa do ERC, os investigadores dão mais um passo para tornar a utilização da suberina uma realidade para a indústria de alimentos funcionais.
O olfacto como o futuro dos diagnósticos clínicos
Cecília Roque, investigadora da Unidade de Ciências Biomoleculares Aplicadas (UCIBIO)da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, vê o olfacto como o futuro dos diagnósticos clínicos através da aplicação de ferramentas modernas de bioengenharia e inteligência artificial.
No âmbito de uma bolsa de Arranque do ERC, a sua equipa já tinha explorado as áreas do olfacto artificial e das tecnologias inspiradas no olfacto, como o nariz electrónico, com este projecto a ter sido pioneiro na utilização de uma classe de materiais de base biológica – como, por exemplo, a gelatina – que são sensíveis a compostos voláteis (como os odores) e outros biomarcadores de doenças libertados pelo corpo.
“Os novos materiais alteram as suas propriedades na presença de biomarcadores de doenças, gerando sinais que são recolhidos e depois analisados por ferramentas de inteligência artificial”, explica, em comunicado, Susana Palma, membro da equipa.
Estes sistemas de nariz artificial encontram padrões de biomarcadores distintos em amostras biológicas complexas, podendo ser utilizados para detectar impressões digitais associadas a certas doenças.
A importância deste trabalho prende-se com o facto de, actualmente, a maior parte das ferramentas de diagnóstico clínico serem ainda invasivas, exigindo a recolha de sangue ou outras amostras do corpo.
Após desenvolver estas tecnologias inspiradas no olfacto, a equipa tem-se focado na validação tecnológica e de mercado, sendo o principal objectivo validá-las para “ferramentas de diagnóstico rápidas e compatíveis com o paciente, utilizando amostras do corpo recolhidas de forma não-invasiva, como a urina, como fonte de diagnóstico de doenças”, destaca, em comunicado, a investigadora principal Cecília Roque, que é directora da unidade de investigação UCIBIO desde Fevereiro de 2023. “Estamos também a analisar aplicações clínicas para as quais as actuais ferramentas de diagnóstico são dispendiosas, demoradas ou inexistentes.”
A equipa de Cecília Roque ganhou já outra bolsa de Prova de Conceito do ERC, que se centra na validação da tecnologia para o acompanhamento do cancro da bexiga, com os investigadores a pretenderem reduzir o número de procedimentos invasivos.
Agora, com a recém-concedida bolsa de Prova de Conceito, a equipa de investigação tem como objectivo com o projecto UNMASK validar as tecnologias inspiradas no olfacto para o diagnóstico de doenças neurodegenerativas, como as doenças de Parkinson e de Alzheimer, com o grupo a trabalhar em colaboração com clínicos de hospitais e a empresa italiana DayOne.
Levar uma ideia do laboratório para o mundo dos negócios
A politóloga Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), venceu também uma bolsa do ERC no valor de 150 mil euros com o projecto chamado PolarScopEU, que se centra no mapeamento da diversidade e parcialidade dos conteúdos nas redes sociais na União Europeia.
O ERC anunciou esta quinta-feira mais 102 bolsas de Prova de Conceito – entre as quais as que vieram para Portugal –, elevando para 240 o número total de investigadores que receberam este tipo de financiamento nas três fases de concurso do ano passado.
As bolsas de Prova de Conceito são atribuídas exclusivamente a investigadores principais que já tenham recebido um financiamento do ERC anteriormente, tendo como objectivo colmatar o fosso entre os resultados da investigação e as fases iniciais da sua comercialização. “É preciso coragem e habilidade para levar uma ideia do laboratório para o mundo dos negócios”, salienta, em comunicado de imprensa divulgado pelo ERC, Iliana Ivanova, Comissária Europeia para a Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude. Estas bolsas, diz, pretendem ajudar os investigadores a dar “este passo corajoso” e a transformarem “investigação revolucionária em inovações tangíveis”.
Com a ajuda destas bolsas, acrescenta Maria Leptin, presidente do ERC, os beneficiários “podem dar um passo adiante e testar o potencial de mercado dos seus projectos de investigação fundamental”.