Governo israelita aproveitou a guerra para limitar a democracia no país
Num artigo assinado por oito jornalistas, o diário Haaretz diz que desde 7 de Outubro aumentou a vigilância dos cidadãos, as armas nas mãos de civis e diminuiu a liberdade de expressão.
O diário israelita Haaretz afirma nesta quarta-feira que o Governo de Benjamin Netanyahu está a aproveitar a guerra em Gaza para prosseguir o seu objectivo de condicionar a democracia em Israel.
“Durante estes três últimos meses de guerra, a democracia de Israel tem sofrido golpe atrás de golpe sem que [o ministro da Justiça, Yariv] Levin tivesse de fazer alguma coisa — e sem o judiciário e os seus protectores fazerem o suficiente para a salvar. Infelizmente, desta vez, sem que haja manifestantes a protestar para a proteger”, refere um artigo assinado por oito jornalistas.
Desde o ataque do Hamas em Israel a 7 de Outubro e a consequente retaliação israelita, o que tem acontecido é o aumento da vigilância dos cidadãos, o crescimento exponencial do número de armas nas mãos de civis e a erosão da liberdade de expressão.
A ironia é que esse declínio da democracia do país surge com o pano de fundo de duas vitórias alcançadas por nove meses de protestos contra a reforma judicial do Governo mais à direita em mais de 75 anos de história do Estado de Israel.
Apesar de o Supremo Tribunal ter anulado as duas únicas partes da reforma judicial que haviam sido aprovadas pelo executivo — a de impedir que os juízes declarem inconstitucionais as decisões do Governo e de que possam destituir um primeiro-ministro por incapacidade cumprir as funções —, essas chegaram depois de uma profunda divisão na sociedade israelita que puseram em causa a capacidade do país de garantir a sua segurança. E terão levado o Hamas a considerar que se tratava do momento certo para atacar Israel.
Aumento do porte de armas
A guerra permitiu que muitos dos objectivos do Governo liderado por Netanyahu se realizassem, nomeadamente a entrega de armas a muitos dos israelitas mais extremistas. “Cerca de 30 mil armas foram distribuídas a qualquer um classificado como membro da segurança das comunidades — e não só nas comunidades fronteiriças, também nas cidades no centro do país”, diz o jornal.
A liberalização das regras de porte de arma e o menor rigor na sua atribuição está a permitir que se armem pessoas com cadastro, o Haaretz fala de um suspeito de agressão sexual à mão armada que obteve uma licença no mês passado.
Os manifestantes contra a reforma judicial foram substituídos por protestos antiguerra que atraem muito menos pessoas e mais atenção por parte das autoridades. Tem-se visto restrições do direito à manifestação, sobretudo em relação aos árabes-israelitas, incluindo detenções. Até o Supremo Tribunal decidiu unanimemente contra petições para levantar a proibição a protestos de árabes-israelitas.
Nem na Internet se permite a liberdade de expressão, com as autoridades israelitas a aumentarem a procura de tudo aquilo que possa considerar como incitamento ao terrorismo. Desde o início da guerra foram abertos 130 processos — a maioria envolvendo árabes israelitas — por identificação com organizações terroristas ou por incitamento ao terrorismo. Entre 2018 e 2022, foram apenas 88.
Também nas universidades foi imposta a lei do silêncio, com medidas tomadas contra alunos por defenderem o Hamas ou se oporem à guerra. Nas primeiras semanas da guerra, 30 instituições abriram 120 processos disciplinares, a maioria deles com base em denúncias de alunos contra comentários de colegas.
A guerra também permitiu o aumento da vigilância sem controlo judicial dos serviços secretos internos e do exército israelita. Em Dezembro, o Knesset (Parlamento) deu autorização ao Shin Bet e às Forças de Defesa de Israel para piratear computadores com imagens de câmaras de vigilância privadas sem consentimento dos proprietários. O Governo quer agora aumentar os poderes do Shin Bet para poderem fazer buscas em computadores e telemóveis sem conhecimento dos donos.