Organização da próxima Cimeira do Clima tem 28 homens e zero mulheres
A equipa que vai organizar a próxima Cimeira do Clima em Dezembro, no Azerbaijão, não conta com uma única mulher. Não faltaram críticas a esta disparidade de género na liderança climática global.
O comité que vai organizar a próxima Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP29) no Bacu, capital do Azerbaijão, em Dezembro deste ano, não inclui uma única mulher. A equipa, anunciada pelo presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, é composta por 28 homens e zero mulheres.
“Estas nomeações significam que aumentou a disparidade de género na liderança climática global. É um recuo na luta pela igualdade no clima, mas ainda há tempo para mudar isso”, referiu a organização She Changes Climate numa nota divulgada nas redes sociais. A organização recorda que a participação feminina no comité organizador da COP28, realizada em Dezembro 2023 nos Emirados Árabes Unidos, correspondia a 63% da equipa.
A diplomata porto-riquenha Christiana Figueres classificou no X (antigo Twitter) esta composição do comité como “corrigível mas urgente”, sugerindo assim que ainda há tempo para incluir mulheres na equipa, medida que mereceria a maior celeridade possível.
A opinião de Christiana Figueres tem relevância na esfera internacional: foi ela quem liderou as negociações que culminaram no famoso Acordo de Paris, em 2015, quando estava à frente da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês).
Mary Robinson, antiga Presidente da Irlanda e ex-alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, também reagiu. “A falta de representação e liderança das mulheres na tomada de decisões climáticas não é apenas injusta, mas afecta a nossa capacidade de inovar, criar soluções e enfrentar a crise climática. O Azerbaijão deve garantir que o comité de organização da COP29 inclua o maior número possível de mulheres”, escreveu Robinson no X.
Quase todos os membros do comité que vai organizar a COP29 são ministros ou funcionários do governo do Azerbaijão, incluindo o chefe do serviço de segurança do Estado, nota o diário britânico The Guardian. Integra ainda o comité o chefe da rede estatal de distribuição de gás – um dos combustíveis fósseis responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa que levam ao aquecimento do planeta. O Azerbaijão planeia expandir a produção de combustíveis fósseis em um terço durante a próxima década, apurou a mesma fonte.
Negociar petróleo e clima
O Azerbaijão é um produtor de petróleo e gás e membro da OPEP+, que inclui as nações da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e alguns países observadores. A escolha deste país para sediar um evento internacional, que ambiciona solucionar problemas climáticos causados precisamente pelos combustíveis fósseis, mereceu críticas. Esta é a terceira vez consecutiva que se escolhe um país exportador de combustíveis para acolher as negociações climáticas, depois dos Emirados Árabes Unidos em 2023 e do Egipto em 2022.
A organização She Changes Climate nota ainda que a escolha do ministro da Ecologia e dos Recursos Naturais, Mukhtar Babayev, como presidente da COP29, também contribui para a disparidade de género. “Apenas cinco mulheres em 29 anos de cimeiras do clima ocuparam a presidência. Deixem esta informação entrar [no seu cérebro]”, lê-se no Instagram.
Mukhtar Babayev passou 26 anos da sua carreira a trabalhar para a Companhia Petrolífera Estatal da República do Azerbaijão (Socar). “Pedimos mais uma vez uma barreira entre a indústria dos combustíveis fósseis e a presidência das Cimeiras do Clima, uma vez que a integridade ambiental continua a ser uma preocupação para nós e para muitas organizações da sociedade civil”, acrescenta o grupo She Changes Climate.
Repetir o exemplo no Dubai?
No ano passado, a nomeação de Sultan Al Jaber como presidente da COP28 também suscitou duras críticas, sobretudo pelo facto de o responsável não ter abdicado do cargo de director executivo da companhia estatal de petróleo. Al Jaber negociou o primeiro acordo da COP que apela à transição para o fim de todos os combustíveis fósseis.
Foi a primeira vez que a causa da crise climática foi mencionada num texto final, mas a escolha criteriosa das palavras também mereceu comentários negativos. Para Mary Robinson, por exemplo, “o acordo da COP28, embora sinalize a necessidade de pôr fim à era dos combustíveis fósseis, fica aquém ao não se comprometer com a eliminação total dos combustíveis fósseis”.
O facto de as cimeiras do clima das Nações Unidas serem presididas por pessoas associadas à indústria fóssil é visto por muitos como algo tão contraditório como um director de uma tabaqueira coordenar uma conferência da Organização Mundial de Saúde. Uma investigação do diário britânico The Guardian, divulgada em Junho de 2023, mostrou que essa sobreposição entre os interesses climáticos e os da indústria fóssil pode, de facto, resultar em situações de ingerência.
A petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, liderada por Sultan Al Jaber, teve não só acesso a emails enviados de e para o gabinete da COP28, mas também foi consultada acerca da melhor forma de responder a uma questão enviada por um órgão de comunicação social, por exemplo. Além disso, estavam acreditados na COP28 do Dubai mais de 2400 representantes de grupos ligados aos combustíveis fósseis, uma presença sem precedentes do lobby desta indústria em cimeiras do clima da ONU.