A argentina Celeste Saulo, de 59 anos, é a primeira mulher à frente da Organização Meteorológica Mundial (OMM), uma agência especializada das Nações Unidas que tem um papel chave na acção contra as alterações climáticas. Um dos seus objectivos é pôr em prática a meta da ONU de que todos os cidadãos do mundo estejam cobertos por sistemas de alerta precoce em caso de desastres naturais – neste momento, 50% da população mundial não tem acesso a estes serviços.
Apoiar os serviços meteorológicos e hidrológicos nacionais dos países mais vulneráveis às consequências da mudança do clima a cumprir a sua missão é outro dos objectivos desta cientista que dirigia o Serviço Meteorológico Nacional da Argentina desde 2014, antes de ser nomeada para o cargo na OMM, substituindo o finlandês Petteri Taalas, que cumpriu dois mandatos.
“Vindo do Sul Global, tenho uma consciência aguda da necessidade de nos esforçarmos mais para dar prioridade às necessidades dos mais vulneráveis”, disse Celeste Saulo, citada num comunicado de imprensa da OMM. “Mesmo um pequeno aumento no investimento desencadeia grandes benefícios socioeconómicos para as nossas comunidades”, afirmou a que é também a primeira cientista da América do Sul na presidência da OMM, referindo-se ao apoio da missão dos serviços meteorológicos nacionais.
“Temos de resolver as crises do clima e da desigualdade ao mesmo tempo, para que ninguém fique para trás”, declarou Celeste Saulo, que toma posse após aquele que foi o ano mais quente desde que há registos, e quando há indícios de que a tendência de aumento de aquecimento perdure ainda em 2024.
“As alterações climáticas são a maior ameaça global do nosso tempo, e o aumento da desigualdade exacerba os seus impactos", precisou a cientista argentina. "O ano de 2024 pode ser ainda mais quente e mais extremo do que 2023 [que foi o mais quente desde que há registos], que quando se sentir de forma plena o impacto do fenómeno El Niño nas temperaturas e na meteorologia", acrescentou Celeste Saulo, citada num comunicado de imprensa da OMM.
O aquecimento global está a aumentar e “não há dúvidas de que se deve à actividade humana”, disse a meteorologista argentina numa entrevista ao jornal espanhol El País. O papel mais importante da OMM deverá ser o de fornecer informação, para que o sector produtivo possa tomar decisões sobre formas sustentáveis de produção de alimentos, por exemplo.
“É preciso manter um sistema de medições e monitorização permanente do estado da atmosfera, dos oceanos, dos gelos, dos rios, que tem de ser tornado mais robusto. Não se pode entender ou intervir sobre o que se está a passar num sistema complexo como o clima se não o estudarmos, e não dermos aos cientistas aquilo de que precisam para entenderem o que se está a passar”, realçou, na conversa com o diário espanhol.
"Expectativas sobredimensionadas"
“O negacionismo [das alterações climáticas] está a baixar de forma substantiva”, disse ao El País. Isto porque as sociedades estão a ter maior consciência do impacto das alterações climáticas, há cada vez mais pessoas têm experiência directa dos seus efeitos. Mas também é preciso não depositar toda a esperança na capacidade da ciência e da tecnologia para resolver o que são alguns dos maiores problemas com que a humanidade se confronta, salientou Celeste Saulo.
“O que está talvez a aparecer é uma expectativa sobredimensionada em que a ciência venha resolver o que não conseguimos resolver como sociedade global”, alertou, na entrevista ao El País. “É pedir demasiado à ciência e é sempre pôr a responsabilidade noutros”, salientou.
Além de que os cientistas vêm há muitos anos a alertar para o problema das alterações climáticas. A sociedade, e os seus representantes políticos, é que não têm estado dispostos a dar-lhes ouvidos
“O Prémio Nobel da Física de 2021 foi entregue a um cientista precisamente pelas suas investigações pioneiras sobre o impacto do aumento do dióxido de carbono na temperatura média do planeta, e esse trabalho era de final dos anos 1960. Então, porque estamos a pedir tudo à ciência, quando a ciência já está a dizer há muitos anos o que é preciso fazer?”, interrogou.