Candidatos a professor: Ministério da Educação garante estágios remunerados em todo o país
Criação de núcleos de estágio fica dependente da possibilidade de atribuição de turma aos candidatos a professores, o que torna mais fácil abri-los onde faltam docentes.
O ministro da Educação, João Costa, assegura que vai haver estágios remunerados para candidatos a professor em todo o país. A constituição de núcleos de estágio nas escolas públicas ficará dependente de três condições, mas não há qualquer limitação geográfica, garante ao PÚBLICO o governante. As explicações da tutela não são, porém, suficientes para convencer as instituições de ensino superior, para quem a nova lei vai obrigar os estudantes a andar “de casa às costas”.
Os finalistas dos cursos de formação de professores “vão poder fazer estágio em todo o lugar onde as instituições de ensino superior tenham núcleos de estágio protocolado”, afirmou ao PÚBLICO, nesta segunda-feira, João Costa.
As declarações do governante respondem à notícia publicada no jornal desta segunda-feira que dá conta de que os estágios pagos vão ficar limitados a regiões onde há falta de professores, obrigando os estudantes de todo o país terão de ir para Lisboa ou para o Algarve.
As alterações ao regime jurídico da habilitação profissional para a docência, recentemente publicadas, fazem depender o funcionamento dos núcleos de estágio de um despacho que terá de ser rubricado não só pelo ministro da Educação mas também pelo das Finanças. O documento ainda não foi publicado, mas, em reuniões mantidas com os ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nas últimas semanas, as instituições alegam ter ficado a conhecer a intenção do Governo: autorizar apenas a constituição de núcleos de estágio em regiões onde há maior carência de docentes.
Isso mesmo foi confirmado ao PÚBLICO por uma dezena de pessoas que participaram nessa reunião. “Nada disso foi dito”, desmente, por seu turno, o ministro João Costa.
Estagiários com turma atribuída
A constituição dos núcleos de estágio vai ficar dependente de três condições, mas nenhuma delas será um critério geográfico, assegura ainda o governante. O despacho que estabelece essas regras “sairá em breve”, segundo João Costa. Os estágios remunerados arrancam no próximo ano lectivo, em Setembro deste ano.
Para que seja autorizada a criação de um núcleo de estágio, exige-se que a universidade ou politécnico onde o candidato a professor se está a formar estabeleça um protocolo de colaboração com cada agrupamento de escolas e que nesse estabelecimento de ensino exista um professor orientador de estágios. Além disso, tem que ser possível a atribuição de uma turma a cada professor estagiário.
As explicações que o ministro da Educação deu à imprensa ao longo desta segunda-feira não convenceram os responsáveis das instituições de ensino superior contactadas pelo PÚBLICO. E é precisamente a terceira condição estabelecida pelo ministério a levantar os maiores problemas.
Se a constituição de núcleos de estágio for condicionada à existência de turmas que os candidatos a professor possam assumir, serão sobretudo as escolas com falta de professores a reunir essas condições, defendem. “Mesmo que haja estágios remunerados em todo o país, vão ficar maioritariamente em locais onde há escassez de docentes”, sintetiza a presidente do Instituto Politécnico de Setúbal, Ângela Lemos, que tem representado o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos nesta matéria.
“Até pode haver dois núcleos em Bragança, mas não chegam para todos os alunos dessas instituições”, acrescenta. “Se há 50 núcleos em Lisboa, é para lá que terão que ir os estudantes”.
O decreto-lei recentemente publicado determina o seguinte: "A atribuição de serviço prevista (...) não pode originar insuficiência ou inexistência de componente lectiva dos docentes do quadro do agrupamento de escola ou da escola não agrupada". E é este ponto que suscita as preocupações que as faculdades e escolas superiores de educação manifestaram ao PÚBLICO.
Os docentes estagiários serão remunerados segundo o índice 167, o primeiro da carreira, que corresponde a um vencimento de cerca de 1600 euros mensais brutos para quem tiver um horário completo. A medida foi usada como um trunfo pelo Governo quando apresentou esta reforma, que pretende responder ao problema da falta de professores.
ME só garante pagamento nas escolas públicas
Os politécnicos também não concordam com o facto de os núcleos de estágio remunerados ficarem circunscritos às escolas da rede pública. Sobretudo para a formação de educadores de infância, as instituições de ensino superior estavam acostumadas a recorrer também à rede de creches das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).
Em declarações ao PÚBLICO, o ministro João Costa explica essa opção. “Não posso impor o pagamento na rede privada. Enquanto empregador, só sou responsável pelas escolas públicas”, justifica. Ou seja, a responsabilidade de um eventual pagamento de estágio em colégios privados ou na rede de creches das IPSS será nessas instituições. O ministério também “não garante” qualquer financiamento.
A revisão do regime jurídico da formação de professores foi lançada com a constituição de um grupo de trabalho, criado por despacho do ministro da Educação – publicado em Diário da República a 19 de Outubro de 2022. O decreto-lei entretanto publicado estabelece, no seu preâmbulo, que a reforma tem “por base as recomendações do referido grupo de trabalho”.
“Não é verdade”, garante Ângela Lemos, que fez parte desse grupo de trabalho. Numa reunião mantida com o ministro da Educação a 4 de Janeiro, vários membros desse grupo fizeram saber a sua insatisfação a João Costa.
Carlinda Leite, que coordenou essa equipa, também se mostra “muito desagradada” com a versão final do diploma. “Está imensamente longe do que foi proposto. Este diploma acaba por assegurar uma formação de professores pior do que a que tínhamos até aqui”, disse ao PÚBLICO.