Captação na Barragem de Santa Clara vai cada vez mais fundo para garantir água para consumo

Governo pondera baixar o nível mínimo de captação de água para a agricultura da cota 104 para a cota 102 e de 102 para 100 destinada ao consumo humano. Ministro foi recebido em Odemira com protestos.

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Agricultores do perímetro de rega do Mira não têm agua para regar os campos Tiago Bernardo Lopes
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O ministro do Ambiente e Acção Climática (MAAC), Duarte Cordeiro, diz que o Governo está a ponderar o prosseguimento das captações de água na Barragem de Santa Clara para assegurar a campanha agrícola das culturas regadas durante o ano de 2024. Em Odemira, Duarte Cordeiro foi recebido com protestos: “A água é do povo, a água é para todos!” e ainda “Estufem a vossa prima!”, “Dinheiro rápido, estragos permanentes!”

A anterior decisão sobre a definição do nível-limite de captação de água no volume morto da albufeira, tomada em Março de 2023, definiu que a disponibilização da água para a rega estava autorizada até à cota 104 e, a partir daí, a água seria apenas destinada ao consumo humano.

Esta tarde, o governante anunciou em Odemira o prosseguimento das captações para rega, desta vez da cota 104 para a cota 102 para o fornecimento de água à actividade agrícola e de 102 para 100 destinada ao consumo humano.

Duarte Cordeiro avançou que o Ministério da Agricultura está a fazer um investimento no sistema de captação de água que espera que possa estar concluído no final de Janeiro. A finalidade desta operação é garantir, “com segurança”, que se possa ir até à cota 100. E, se for possível assegurar a captação à cota 100, então será de novo revista a captação à cota 102 para a agricultura, ou seja: a água para consumo humano será extraída abaixo da cota 100, “mantendo exactamente as mesmas garantias que estavam estabelecidas no Pacto da Água”, assumiu o ministro do Ambiente.

Esta decisão já se admitia como provável quando o vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Pimenta Machado, se deslocou a Beja no dia 18 de Novembro para participar no debate Invasões Biológicas! Que Futuro?, no auditório da EDIA. Nesta sessão, o responsável da APA aproveitou para realçar as dificuldades existentes na albufeira de Santa Clara.

Pimenta Machado fez uma constatação que foi de imediato entendida como uma provável revisão da cota-limite de extracção de água: “A Barragem de Santa Clara tem mais água do que todas as albufeiras algarvias.” Com efeito, os dados do Serviço Nacional de Informação de Recursos Hídricos publicados a 8 de Janeiro referiam que as reservas de água públicas no Algarve armazenavam 111.755 hm3. A reserva de água na albufeira de Santa Clara encontrava-se nos 149.509 hm3.

“Só os grandes” vão poder pagar a água que consomem

A decisão agora anunciada pelo MAAC está longe de ser pacífica, como se pôde constatar esta manhã, quando os ministros do Ambiente e da Agricultura chegaram juntos ao edifício da Câmara de Odemira, onde foram recebidos com uma vaia de protestos e palavras de ordem que realçavam o mal-estar que já é patente há semanas, sobretudo pelos pequenos agricultores e produtores de gado que têm as suas explorações no perímetro de rega do Mira: “A água é do povo, a água é para todos!” “Estufem a vossa prima!” “Dinheiro rápido, estragos permanentes!”

Um agricultor que o PÚBLICO ouviu na manhã desta terça-feira admitia que a água que vai ser retirada da albufeira de Santa Clara “é só para alguns”, ou seja, “os grandes produtores de frutos vermelhos” nas imensas estufas que invadiram aquelas terras. Captar a água da albufeira a uma cota cada vez mais baixa pode vir a onerar o preço final da água para rega. Os custos com a energia que vai ser despendida para pôr a funcionar as electrobombas “serão elevados”, admite o agricultor. “E só os grandes produtores é que terão capacidade financeira para pagar a água que consumirem”, conclui.

O relatório do grupo de trabalho de assessoria técnica à Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, publicado no dia 31 de Outubro, referia que, a 18 de Agosto de 2023, no perímetro de rega do Mira, tinham sido consumidos 9,4 hm3 do total reservado para o regadio, que então foi calculado em 14 hm3.

Desde 2019 que se extrai água para rega a partir do caudal morto da albufeira de Santa Clara. Até eesta terça-feira, foram consumidos pelo regadio, consumo humano e mina de Neves Corvo mais de 195 hm3 a partir do caudal morto. Restam 149,5 hm3 (31%) dos 485 hm3 que é a capacidade de enchimento da albufeira.

Até ao final de Janeiro, as dotações de água para rega terão de ser definidas e anunciadas aos agricultores e produtores de gado, que ainda não receberam qualquer informação sobre os débitos a que vão ter direito.