Há “400 milhões” para igualdade de género? Os factos sobre três afirmações de Ventura na Convenção do Chega
Há “400 milhões” para a igualdade de género? Não exactamente. Trinta por cento dos residentes de Braga são imigrantes? Muito provavelmente não. Que partido apresentou mais propostas? O Chega e o PAN.
No segundo dia da sexta convenção do Chega, no discurso de abertura, André Ventura desvalorizou a Aliança Democrática, anunciou medidas para forças de segurança, idosos, ex-combatentes e professores e atacou o outro dos "dois maiores partidos portugueses", como afirmou.
No entanto, tanto no discurso de abertura como em intervenções que foi fazendo ao longo do dia, houve detalhes que ficaram por explicar e informações que não são concordantes com relatórios oficiais. Fica aqui o levantamento de três exemplos.
"Aquele dinheiro todo que vamos dar lá para as ideologias de género e supostamente para promover uma qualquer igualdade de género (...), vou pegar nesse dinheiro todo, esses 400 e tal milhões só para o próximo ano (...)"
Foi logo no discurso de abertura que Ventura referiu os "400 e tal milhões" que o Governo quer "dar para ideologias de género e supostamente para promover qualquer igualdade de género".
O valor referido pelo líder do Chega remonta à Avaliação Prévia do Impacto de Género, que indicava que o Governo ia disponibilizar 426,27 milhões de euros para medidas que terão – algumas delas indirectamente – impacto ao nível da igualdade de género.
Medidas que pretendem melhorar a igualdade entre homens e mulheres em termos de salário, participação em cargos de gestão e direcção, combater a violência doméstica e proteger as vítimas, aumentar a participação de mulheres em decisões políticas e orçamentais, combater o bullying e a discriminação contra indivíduos LGBTI+, entre outras. Tirando-se "esse dinheiro todo", todas poderiam ficar em suspenso.
As 564 medidas mencionadas no documento foram identificadas por 150 entidades que responderam a um questionário do Governo. No entanto, 39% das medidas nem sequer apontam a igualdade de género como objectivo principal. Algumas destinam-se ao combate às alterações climáticas, outras à aposta no desenvolvimento de uma "sociedade digital", por exemplo.
O Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) detalha que, dos 426,27 milhões, apenas 9,2% se destinariam directamente a "reduzir as desigualdades" e 5% servirão para melhorar a igualdade entre homens e mulheres.
Em nenhuma ocasião, quer neste documento, quer no documento do OE2024, se utiliza a expressão "ideologia de género". Temas que têm sido alvo de crítica pelo Chega como os nomes neutros ou o acesso à casa de banho de acordo com o género com que alguém se identifica também não são referidos nenhuma vez.
“Em Braga, 30% da população é imigrante”
André Ventura, em declarações à SIC Notícias, afirmou que, “em Braga, 30% da população é imigrante”.
Segundo o relatório anual do Observatório das Migrações de 2023 (o mais recente), residiam, em 2022, 28.127 estrangeiros no distrito de Braga. Este número correspondeu, em relação ao ano anterior, a um aumento de 19,1% no número de imigrantes residentes.
Os Censos de 2021, segundo o INE, indicavam que existiam no distrito de Braga 846.515 habitantes. Ou seja, a percentagem de imigrantes no distrito seria de apenas 3,32%.
Se somarmos os números do INE de habitantes de todos os municípios de Braga em 2022, chegamos a 852.275 residentes. Mesmo considerando este número, porém, 28.127 estrangeiros correspondem a uma percentagem de 3,3%.
Caso André Ventura se estivesse a referir à população do concelho de Braga e não ao distrito inteiro, a percentagem de imigrantes continuava a não chegar nem perto dos 30%. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 2021 (ano mais recente para consulta), viviam em Braga 12.722 imigrantes. No total, residiam 194.588 pessoas. A percentagem de imigrantes era, então, de 6,54%.
Como em 2022 havia 196.434 habitantes no concelho, para a percentagem de imigrantes ser de 30%, teria de haver 58.930 estrangeiros a viver na cidade de Braga – um número mais de quatro vezes superior ao dos que habitavam no distrito inteiro, em 2022.
Não há, ainda, dados oficiais sobre o número de residentes nacionais ou de imigrantes para o ano completo de 2023.
“Tornámo-nos, este ano, a força parlamentar que mais propostas apresentou”
Confessando sentir-se orgulhoso do trabalho da sua bancada parlamentar, Ventura, no discurso de abertura, afirmou que o Chega se tornou, em 2023, "a força parlamentar que mais propostas apresentou".
Apesar de não haver, ainda, dados sobre a actividade parlamentar de todo o ano 2023, usar-se-á como referência o "Balanço de Actividade Parlamentar" da 1.ª sessão legislativa – que cobre o período entre 29 de Março de 2022 e 14 de Setembro de 2023.
Segundo este documento, o Chega foi, de facto, um dos partidos que mais iniciativas legislativas apresentaram neste período (169). No entanto, o PAN apresentou o mesmo número de iniciativas legislativas.
Das 169 iniciativas legislativas que o Chega apresentou, todas foram chumbadas na votação final global. O PAN viu oito iniciativas aprovadas.
Artigo editado às 18h18 para fazer correcção textual