Clésio, o “relâmpago” de Rui Vitória, traiu o seu mestre
No Benfica, o técnico via em Clésio um novo Nélson Semedo, definindo-o como um valor seguro para o futuro. Mas a carreira do moçambicano não tem sido bem assim.
Em 2015, em fase de escassez de laterais-direitos, Rui Vitória, então treinador do Benfica, teve de ser criativo – e usar um criativo.
Clésio Baúque, moçambicano, era um ala que tentava mostrar talento na equipa B, mas vinha a treinar na equipa principal como lateral-direito. Na altura, a ideia seria fazer de Baúque um novo Nélson Semedo ou mesmo um novo Miguel, passando de extremo de qualidade mediana a lateral, ao qual “só” faltava aprender a defender, já que os predicados ofensivos, como ala, poderiam ser úteis.
A aventura durou 64 minutos, até o africano, pouco habituado às andanças da I Liga, se agarrar às pernas, com cãibras, frente ao Tondela, e sair de maca. Nunca mais por ali apareceu.
Neste domingo, pouco mais de oito anos depois desse dia único de glória, Clésio traiu o seu herói. Frente ao Egipto, o agora n.º10 marcou um 2-1 que só não penalizou ainda mais os faraós orientados por Rui Vitória porque Mo Salah marcou o 2-2, de penálti, aos 90+7’.
Um dia, Clésio foi um projecto fugaz de Rui Vitória, que dele desistiu rapidamente. Agora, foi um dos responsáveis por um inesperado empate da formação egípcia frente a Moçambique, na primeira jornada do grupo B da CAN.
Era “um valor seguro”
“Nos primeiros tempos não foi fácil, foi uma grande guerra para recuar. Não aceitava. O treinador a puxar por mim a dizer “tu consegues” e eu “não, mister, nunca vou conseguir”. Então deu-me vários exemplos, como o do Nélson Semedo. Acabei por aceitar o desafio e comecei a treinar a lateral. A certa altura já me senti à vontade para jogar nessa posição”, recordou Clésio, em 2016, ao Maisfutebol.
Desse jogo com o Tondela, além das memórias, guarda apenas a camisola – que emoldurou na sua casa em Moçambique.
Por esta altura, e estávamos em 2015, Vitória definia Clésio como “um valor seguro para o futuro”. Mas talvez não fosse tão seguro assim.
O jogador, que já tinha sido emprestado ao Harrisburg City Islanders, dos Estados Unidos, saiu para o Panetolikos pouco tempo depois desse aparecimento fugaz frente ao Tondela. Por lá, foi-lhe dada a camisola 10, podendo regressar aos terrenos ofensivos que o levaram ao Benfica – ainda que não os terrenos que o levaram ao “onze”.
“Saltitão”
Aos 29 anos, Clésio já teve, além de Moçambique, Portugal e Estados Unidos, três anos de Grécia, um de Turquia, dois de Azerbaijão, um de Madeira (no Marítimo) e um na Finlândia, antes de regressar ao campeonato azerbaijano.
Quando saiu do Benfica, o jogador disse que “as portas não estão fechadas. É só trabalhar e pensar que um dia ainda posso regressar”. E foi mais longe: “Ou quem sabe ir para outros grandes clubes. O meu percurso não termina aqui”.
Clésio tinha razão: o percurso não terminou ali. Mas troca permanente entre clubes modestos em campeonatos periféricos, mesmo com este golo na CAN, não parece bater certo com aquele dia em que Rui Vitória o apresentou como valor seguro de futuro, dando-lhe a titularidade horas depois.