No Vale de Añana, faz-se sal há sete mil anos. Agora, de olho na alta cozinha
Visita a uma das fábricas de sal mais antigas do mundo: fica no vale de Añana, a 30km da basca Vitoria, entre montanhas e sem mar à vista. Aqui, extrai-se sal há sete mil anos.
Tivéramos chegado uma semana mais cedo e ter-nos-íamos deparado com o cenário que enche as suas fotos mais icónicas: uma manta de retalhos pintada em declinações de branco, divididas em esquadrias variáveis sobre estruturas de madeira assentes em florestas de longas estacas que revestem o vale.
Hoje parece abandonado, sobressai a cor parda da madeira, da argila e da pedra que constroem os vários patamares que sustentam uma das fábricas de sal mais antigas do mundo: aqui no vale de Añana, entre montanhas e sem mar à vista, extrai-se sal há sete mil anos. Mas só entre Maio e Setembro — chegamos na segunda metade de Outubro e ele já está a ser embalado no Valle Salado de Añana, paredes-meias com a povoação de Salinas de Añana.
Estamos a 30 quilómetros de Vitoria com o verde basco suspenso nesta paisagem que tem algo de pós-apocalíptica e que há mais de 200 milhões de anos era o fundo do mar — por isso a experiência é tão salgada: “15 vezes mais salgada” do que a água do mar. Provámo-lo da capa incrustada nos canais de madeira por onde passa a água, saída dos vários mananciais de forma natural.
Tudo aqui ainda é “natural” (e podemos ver como evoluiu numa experiência em realidade virtual) — quando se rompeu esse ciclo, com a introdução de patamares de cimento (em vez de materiais reutilizáveis) para produzir mais, as estruturas começaram a ruir e o vale foi sendo progressivamente abandonado.
“Nos anos de 1990, havia apenas duas famílias” a trabalhar nas salinas, conta a guia, Kristina, quando durante séculos esta tinha sido a actividade predominante da vila.
O renascimento começou no final dos anos de 1990 e ganhou contornos permanentes com a criação da Fundación Valle Salado. A ideia foi recuperar todo o ecossistema para fins culturais e turísticos (há vários tipos de experiências oferecidas aos visitantes e oficinas múltiplas ao longo de todo o ano e até um pequeno spa ao ar livre), sem esquecer, porém, a produção, “não em quantidade mas em qualidade” (“porque não podemos competir com as indústrias”) — vejam-se os números: 22 toneladas de flor de sal e 150 de sal e 50 trabalhadores, incluindo salineiros.
E é assim que chegamos a uma das duas mil eiras recuperadas (de um total de cinco mil) para Kristina nos descrever o processo de fabrico de sal, que recorre somente “à salmoura, ao sol e ao vento” — e que tem o “momento mais romântico”, na sua opinião de guia, quando a água exposta ganha uma película: são “escamas de sal, muito delicadas, que ficam a flutuar”. “Em dois ou três dias produzem-se flor de sal e sal” e “todo o Verão é passado nisto”.
Do Valle Salado sai ainda sal líquido e recentemente o sal que resulta das estalactites que se vão formando por onde passa a água — chamam-lhes chuzos e são muito apreciados na alta cozinha.
Aliás, são vários os chefs “estrelados” que se tornaram embaixadores do sal de Añana e têm o nome inscrito em várias eiras, como Andoni Aduriz, os irmãos Roca ou Martín Berasategui, por exemplo.